Era tarde da noite de sexta-feira, já faz tempo isso, deu-se nos albores dos anos 1990. Naquela época, havia o que chamávamos de "pescoção das sextas" – baixávamos duas edições do jornal, a de sábado e a de domingo, muitas vezes tendo de redigir alentadas reportagens. Então, a jornada de trabalho dobrava as esquinas da madrugada.
E lá estava eu, lidando com lides, e fiz alguma brincadeira com alguém, e uma diagramadora parou o que estava fazendo para me dizer assim:
– Tu deves ganhar muito bem, né? Estás sempre rindo...
Temos muitos problemas a resolver, temos muitas mazelas a nos envergonhar, mas temos, também, brasileiros como dona Regina, que querem o bem dos outros e que enxergam o lado azul da vida.
Aquela manifestação de amargura me deixou chocado, tanto que nunca mais a esqueci. Depois daquele dia, tomei o cuidado de evitar alegrias ostensivas na frente da colega. Quando a via, sempre fazia uma queixa, a fim de me solidarizar com sua infelicidade.
Jornalistas estão sempre reclamando, ainda que redações sejam lugares animados. Você fala com um jornalista e ele suspira, critica o jornal que é feito hoje e faz uma observação deletéria sobre as novas gerações. No tempo dele, sim, é que havia bons profissionais e bons jornais.
Esse pessimismo não é exclusividade dos jornalistas, óbvio. A maioria das pessoas com quem falo aconselha:
– Não volta para o Brasil! Fica por aí! Isso aqui só piora! Não tem como melhorar!
Será que tanto desalento não vem com a idade? Será que não é o tempo que doura o passado e acinzenta o presente?
Pensava nisso na quinta-feira, quando recebi uma mensagem que mudou o meu dia. Foi um vídeo gravado por uma senhora de 99 anos de idade. Ela se chama Regina Figueiró e, durante uma sessão com sua fonoaudióloga, pediu para ler um texto que escreveu para mim. A fonoaudióloga gravou a leitura com seu celular.
Neste texto, lido à perfeição por dona Regina, ela contou que acompanha atentamente a política brasileira e que está muito feliz com o que está acontecendo no país. Dona Regina entende (com o que, aliás, concordo) que o Brasil está mudando para melhor. Estamos evoluindo, nos tornando uma nação de verdade, onde quem tem dinheiro, poder ou popularidade não se repimpa acima da lei.
Dona Regina encerrou o vídeo com uma exclamação:
– Viva a democracia!
Foi algo singelo, mas que me emocionou. Temos muitos problemas a resolver, temos muitas mazelas a nos envergonhar, mas temos, também, brasileiros como dona Regina, que querem o bem dos outros e que enxergam o lado azul da vida.
Aos 99 anos de idade, dona Regina se mostra cheia de alegria e de esperança. Não por olhar para o seu passado, que deve ter sido lindo. Mas como uma celebração do presente, do dia de hoje, que pode ser igualmente lindo ou até melhor. Para quem quer ver.