Ao morar tanto tempo no Exterior, descobri que gosto mais do Brasil do que pensava. O Brasil tem um jeito... É isso... É o jeito, algo indefinível, mas que se sente. E que distingue o país de todos os outros do planeta.
Você talvez diga que o afegão provavelmente sinta o mesmo a respeito do Afeganistão. Ele sai por aí dizendo que o Afeganistão é único e tal. Só que o afegão dirá isso por causa de seus afetos, que são não apenas as pessoas que ele ama, mas também os lugares e as coisas. A história do homem está gravada nas ruas, nas casas, em cada objeto que é referência de fatos da sua vida. É por isso que é preciso cuidado e critério ao se fazer intervenções na paisagem de uma cidade. Porque são intervenções também na história das pessoas que vivem naquela cidade. Ao derrubar um antigo casario, você derruba também pedaços de memória.
Então, o afegão tem liames emocionais com o Afeganistão. No caso do Brasil, não é só isso, porque mesmo estrangeiros percebem a diferença a que me refiro. O Brasil tem outro tempero. É o cheiro, é o clima, é a comida, é a geografia, mas, principalmente, é o brasileiro.
A forma que o brasileiro tem de se relacionar com as outras pessoas o destaca entre os povos do mundo. Com um brasileiro, você sente proximidade já no olhar. Mais, você vê alguém caminhando na rua, lá adiante, e diz: "Esse é brasileiro". E é. Até a linguagem corporal é singular.
É possível que esteja falando do que Sérgio Buarque de Holanda classificou como "cordialidade brasileira", em Raízes do Brasil. Você sabe da polêmica que essa definição produziu: as pessoas confundiram cordialidade com gentileza. Sérgio citava a cordialidade como algo que vem do coração, mais sentimental do que intelectual. Trata-se, às vezes, de um predicado. Nossa aversão às formalidades nos aproxima dos outros seres humanos. Mas também se trata de um profundo defeito, porque essa mesma aversão às formalidades se transforma em aversão às regras, e regras são indispensáveis para a convivência entre os seres humanos.
Essa nossa personalidade peculiar tem tanta força, que contamina até a instituição mais formal do Brasil, aquela que deveria, justamente, prezar pelo cumprimento das regras – o STF.
A triste enjambração que o STF fez no caso Lula é um disparate que só seria admissível em um tribunal brasileiro. Os ministros passaram a tarde inteira discutindo se poderiam votar. Resolveram que sim. Aí, na hora de votar, resolveram que não votariam, porque, se o fizessem, ficariam trabalhando até tarde, o que os deixaria cansados. E, então, improvisaram um puxadinho legal: para poderem aproveitar o feriado da Páscoa, tornaram Lula inimputável por 15 dias. Quando, enfim descansados, os ministros voltarem a trabalhar, é claro que salvarão Lula da cadeia. Ele e todos os outros políticos corruptos que temem a Lava-Jato. Assim, o Brasil continuará sendo o que sempre foi – a pátria da impunidade para quem tem poder e dinheiro.
O Tribunal, mais uma vez, se achicou para os políticos. Mais do que se apequenar, como temia a presidente Cármen Lúcia, o STF se pôs de joelhos diante de patifes notórios da vida pública brasileira, ladrões vulgares que, em qualquer outra nação, estariam presos há muito tempo. Nada que surpreenda – afinal, estamos falando de um tribunal do Brasil, onde questões como o cumprimento de regras não passam de formalidades. O brasileiro cordial odeia formalidades.