Estávamos em Kuala Lumpur, na Malásia, a caminho da Copa de 2002. No meio da tarde, havíamos, eu e o fotógrafo Mauro Vieira, parado em um bar, a fim de fazer um lanche. Não dispúnhamos de muitos momentos como aquele, o trabalho era intenso e duro. Já no início da cobertura, em Barcelona, lembro que o repórter carioca Mauro Leão suspirou, depois de um dia de lida de 16 horas ininterruptas:
– Ufa! Agora só faltam 48 dias pra terminar a Copa...
No nosso caso, meu e do Mauro, a situação era ainda mais desgastante, porque o hotel em que estávamos hospedados fazia reformas, e eles começavam a obra todos os dias ÀS SEIS E MEIA DA MANHÃ. Sabe lá o que é isso? Seis e meia da manhã e os caras batendo prego em cima da sua cabeça? Nunca vi uma obra começar tão cedo.
Nós reclamávamos, o gerente pedia desculpas e, no dia seguinte, explodia a bateção outra vez. Assim foi a semana inteira. Depois, seguimos para a Suíça e, de lá, para Kuala Lumpur. Chegamos no fim de semana. Na primeira manhã, por volta das 7h, não é que estouraram marteladas no apartamento de cima? Acordei, surpreso. Olhei para o Mauro, que, na cama dele, do outro lado do quarto, esfregava os olhos. Antes que me queixasse, ele gemeu:
– Não acredito que o cara de Barcelona veio junto!
Tudo isso estava deixando o Mauro abatido. Então, naquela tarde, em Kuala Lumpur, ele balançava a cabeça e gania baixinho, que nem Hardy, a hiena triste:
– Oh, dor... Oh, dia... Oh, vida...
Em meio às lamentações, passou ao nosso lado um grupo de mulheres malaias vestidas como só as mulheres malaias se vestem, com umas roupas coloridíssimas, florais, o próprio verão. Eram moças bonitas e sorridentes e, dentro daquelas roupas alegres, tornavam mais alegre o mundo em volta delas.
Sorri ao vê-las, mas o Mauro nem prestou atenção à cena, concentrado que estava em seu sofrimento. Então, sem pensar muito, falei:
– Olha só para essas mulheres. Nós nunca mais vamos ver algo parecido, porque, provavelmente, nunca mais vamos voltar à Malásia. Estamos na Malásia, cara! Rumo à Copa do Mundo! Quantos queriam estar no nosso lugar? E tu te queixando da vida!
Não havia preparado aquele breve discurso, não tinha feito nenhuma reflexão a respeito, não era filosofia, nem qualquer manifestação de uma sabedoria que não tenho, apenas expressei o que senti: que meu amigo não estava aproveitando o belo dia de sol em uma cidade que, para nós, era exótica, habitada por pessoas de certa forma também exóticas, mas amistosas, risonhas e aparentemente felizes. Quer dizer: era um dia das nossas vidas que jamais se repetiria. Tínhamos a obrigação de sorvê-lo da melhor forma possível.
Fui entendendo o que sentia à medida que falava, e o Mauro também. Em seguida ele sorriu e balançou a cabeça:
– Tens razão!
E tudo ficou mais leve.
Desde então, cada vez que algo me deixa preocupado, penso nas mulheres malaias de 2002. Porque não é preciso estar em Kuala Lumpur para entender que cada dia é diferente do que passou e do que virá. A cada dia o seu cuidado, é verdade. E a cada dia a sua alegria.