Para pessoas como o médico Leandro Boldrini, existem três tipos de julgamentos: o moral, o profissional e o legal em relação à morte do filho, o menino Bernardo, em 2014, no noroeste do Rio Grande do Sul.
No aspecto legal, já foram dois júris, porque a defesa se apegou a minúcias e conseguiu uma segunda sessão no tribunal. Tivemos, por duas vezes, que ouvir áudios, ver vídeos e acompanhar leituras de documentos que mostraram a ausência de sentimentos pelo filho e escancararam o quanto a criança, de 11 anos, foi ignorada e torturada mentalmente dentro de casa pela pessoa de quem ela mais esperava amor. Bernardo implorava atenção. A reação de Boldrini era de um gelo ártico surpreendente na relação entre pai e filho. O menino sofreu vilanias de todo tipo. Acabou morto pela madrasta, que não o aceitava e testemunhava o desdém do marido. Ao ignorar o menino, o pai deixou caminho livre para os abutres: a madrasta e uma ajudante. Escrever e pensar nas revelações do julgamento me faz franzir a testa.
Os pacientes de Leandro falavam muito bem dele. As coisas podem estar aparentemente separadas. Mas não. Boldrini se sentia uma espécie de Capitão América de Três Passos, cidade onde atuava. Sempre será lembrado como o pai do Bernardo, ou o pai do menino morto. Este é o julgamento que lhe gerou condenação moral para sempre.
A desfaçatez do médico não teve limites: no período entre o crime e a descoberta do cadáver do menino, insistia numa versão fantasiosa de sumiço de Bernardo, chegando a dar entrevistas para emissoras de rádio de Porto Alegre apelando para que “o menino” fosse encontrado.
Se tiver uma boa defesa, e dinheiro ele tem para isso, Boldrini poderá sair para a rua ainda neste ano. É o que tem nos revelado a repórter da RBS Adriana Irion. É o que prevê a lei. Ele logo poderá deixar a cadeia, embora tenha sido condenado a 31 anos por homicídio quadruplamente qualificado e esteja preso há apenas oito anos.
Ainda restará o julgamento profissional. Boldrini aguarda apreciação do Conselho Regional de Medicina do RS (Cremers), nove anos depois do crime, sobre se tem condições de exercer a profissão. Um pai ausente e certamente incapaz de controlar seus instintos foi condenado duplamente, nos âmbitos moral e criminal. Dependendo do que o Cremers decidir, perderá a carteira profissional e a fleuma de médico da cidade dele.