Uma das atividades que criei para estudantes de Medicina, no fim dos anos 1990, foi ler e debater sobre como o vírus HIV causava aids. Na época, uma onda de negacionismo espalhava que o vírus não tinha nada a ver com a doença, que esta era resultado da fome na África, ou do uso de drogas por homens que fazem sexo com homens. Ou, ainda, os antivirais em si causariam a doença.
Enraizado em ideias conservadoras, predando no preconceito e na desinformação, o movimento trouxe nomes como Peter Duesberg, então um cientista conhecido, para defender isso publicamente. A comunidade científica, chocada, não entendia como o enorme corpo de evidências era ignorado por aqueles que se deixavam influenciar. Meus alunos estudavam os argumentos dos dois lados e debatiam fervorosamente, em um salutar exercício de iconoclastia e lógica. No final, todos concluíam que haviam aprendido muito mais sobre o HIV do que apenas lendo.
A onda de negacionismo que vimos surgir na pandemia da covid-19, culminando no movimento antivacina, não foi, portanto, novidade. O que surpreendeu foi sua magnitude, várias ordens de grandeza superior ao que já havíamos visto. O que muitos não entendem, contudo, é que tal movimento não foi espontâneo e saudável como um debate, mas uma campanha muito bem financiada.
O Washington Post analisou recentemente os registros fiscais das principais organizações promotoras do negacionismo na pandemia. As quatro maiores receberam, entre 2020 e 2022, mais de US$ 118 milhões. Esse dinheiro pagou podcasts, comerciais na TV e financiou campanhas e eleições. A organização antivacina Children’s Health Defense (CHD), fundada pelo pior de todos os Kennedy, Robert F. Kennedy Jr., recebeu mais de US$ 22 milhões só em 2022. O salário dele como porta-voz da CHD foi de US$ 510 mil em 2022 – o dobro do que havia sido em 2019. Aumentos semelhantes tiveram os salários de executivos da Front Line Covid Critical Care aliance (FLCCC) e da America’s Frontline Doctors (AFD) – aumentos entre duas e 17 vezes. Os primeiros foram testemunhas expert no Tennessee para passar uma lei que expandia o uso de ivermectina – de cavalos para humanos. A segunda, Simone Gold, foi presa por invadir o Capitólio no dia 6 de janeiro de 2021, depois de ter comprado uma casa de US$ 3,6 milhões na Itália – e, em seguida, processada pela própria AFD por desvio de dinheiro.
Essas pessoas e empresas que sustentam esses movimentos entenderam o quanto o tema da saúde é polarizante, lucrando – e muito – com a incerteza e a insegurança que geram. Não se abalam com fatos – respondem com fatos alternativos. Hoje, se parece que a onda antivacina vem arrefecendo, prepare-se, porque os negacionistas que defendiam que o HIV não causa aids estão voltando. R. F. Kennedy Jr. – ele de novo! – é o rosto dessa bandeira. No ano que vem saberemos por quantos milhares dólares.
Nos anos 1990, os cientistas desafiaram Duesberg a se injetar o HIV. Duesberg declinou – ainda está vivo, lecionando em Berkeley. Para quem comprar essa e outras futuras ondas de negacionismo, fica aqui o desafio.