Quantos sabem que a estrutura do DNA não foi elucidada apenas por Watson e Crick, em 1953, conforme aprendemos nos livros? No início dos anos 1950, uma corrida semelhante à que vimos no filme Oppenheimer para partir o núcleo atômico existia para entender como a molécula enorme isolada de células nos anos 1940 transformava seres vivos em outros seres. Linus Pauling, por exemplo, tinha sua hipótese; Maurice Wilkins, Rudolf Signer, Erwin Chargaff: eram todos bioquímicos trabalhando na Europa e nos EUA tentando entender a questão. Às vezes colaborando, as vezes discutindo, e de forma geral errando – faz parte do trabalho.
Rosalind Frankel, química que trabalhava no laboratório de Wilkins no King’s College, em Londres, metodicamente obteve imagens de difração de raios X, técnica utilizada para estudar estrutura molecular. Ela concluiu que se tratava de uma hélice, composta das bases que Watson e Crick citavam (A, T, G e C), com os fosfatos para fora, ligações interfosfato na hélice – como apresentou, em 1951, em um seminário.
Há boatos de que Wilkins teria tido que apartar uma briga entre Franklin e Watson e em segredo mostrara a este último uma foto sem ela saber do DNA (a famosa Foto 51), e apenas então Watson teria entendido a estrutura, tendo um “momento eureca”.
E o Nobel foi, então, para os três homens – enquanto ela morria tragicamente de câncer de ovário aos 37 anos.
Essa história foi contada em uma peça estrelada por Nicole Kidman em Londres em 2015. Conto a história aqui porque, em ciência, ouvimos a mesma coisa todos os dias – mulheres cujo trabalho foi ignorado e o crédito foi para os homens que eram seus chefes, ou diretores, ou presidentes etc.
Está aí o 8 de março, sempre logo antes do meu aniversário, e é inevitável parar e pensar nisso. Sempre nesse dia me convidam para falar sobre o tema de como fazer para ser relevante apesar de ser mulher. Acho que começa por pesquisar os fatos, apoiar a narrativa com evidências. A pressão que existe para que uma mulher não fale sobre si (ou sobre nada) é real e esmagadora. A facilidade com que se ignoram os pontos levantados por você se você for mulher é impressionante. Recuperar a verdadeira história, em cada campo de trabalho, é fundamental para construir uma sociedade sadia – especialmente nos tempos turbulentos em que vivemos.
Recentemente escrevi aqui sobre o atualmente ubíquo medicamento Ozempic. Pois foi uma mulher, Svetlana Mojsov, que elucidou a estrutura do GLP-1, na qual se baseia o medicamento. Ela se cansou de não ser reconhecida pelos colegas homens que recebiam os créditos (e os royalties) e, após uma longa briga judicial, está agora na patente.
No caso de Watson e Franklin, alguns mantêm que a estrutura foi, sim, elucidada por Watson, mas é verdade que ele usou os dados de Franklin sem a permissão dela para confirmar o que achava. Não sei se algum dia saberemos exatamente o que houve. Contudo, mais do que rosas, neste 8 de março, mulheres merecem e querem o crédito pelo que fazem. E os royalties.