Você já aprendeu que existem gorduras boas e gorduras ruins. Pois então: a mesma coisa vale para as bolinhas de gordura, as nanopartículas, usadas para empacotar diferentes vacinas – inclusive para covid-19.
Mais de 5,17 bilhões de pessoas já foram vacinadas no mundo para a covid-19 – 67% da população mundial. E a absoluta maioria delas recebeu ao menos uma dose, ou duas, de vacinas de mRNA. Essas vacinas revolucionaram a tecnologia vacinal pela altíssima eficácia. O RNA, mensagem para que a célula fabrique um pedacinho da proteína S do vírus, vem dentro de uma bolinha de gordura. A tecnologia para fazer essas bolinhas é uma das principais responsáveis por esse sucesso. Elas protegem o RNA até ele entrar dentro das células, impedindo que seja destruído por enzimas do espaço que existem fora destas.
Neste ano, concluímos duas coisas importantes sobre nanopartículas de gordura. Primeiro: daqui para a frente, as nanopartículas de lipídeos, criadas pelo físico e bioquímico canadense Peter Cullis, serão o principal veículo para a entrega não apenas de vacinas, mas de medicamentos em geral. Segundo: elas podem ser melhoradas. Em 2022, cientistas da Genentech, o braço inovador da Roche, mostraram que, dependendo das gorduras usadas na sua composição, essas bolinhas podem ativar uma inflamação– daí aquela sensação de febre e cansaço de quem tomou vacina Pfizer ou Moderna.
Mas a rota bioquímica que causa esses sintomas, conhecida como inflamassoma, é fundamental para ativar respostas imunes. Como resolver isso? Cada bolinha é composta de quatro tipos de gorduras. Uma delas é colesterol, que ajuda a “soltar” o RNA dentro da célula para que ela mesma não destrua o material genético – pois tudo o que entra na célula também tem que ter um endereço, senão vai ser degradado. Outra é uma gordura que pode ser carregada eletricamente – ionizável; isso, em geral, é bom para a vacina, pois a mantém nos tecidos, o que causa inflamação. Isso ajuda na resposta imune, mas é desconfortável pra quem recebe a vacina.
O terceiro tipo de gordura ajuda a bolinha a se misturar com as membranas das nossas células; e o quarto tipo tem uma modificação, o PEG, que impede que as bolinhas se aglomerem, virando um bolão – ninguém quer isso. Atualmente, existem grupos de pesquisa no mundo inteiro focando em principalmente resolver a questão da gordura ionizável. A Sanofi já anunciou sucesso com os primeiros estudos clínicos de uma vacina para a gripe com um novo tipo desses lipídeos nas nanopartículas – boa resposta, menos efeitos adversos. Outras mudanças são melhorar as gorduras para que as células as absorvam melhor e para que mais RNA seja liberado dentro da célula, para aumentar o rendimento.
As patentes para esses lipídeos hoje já valem fortunas, sendo objeto de disputas ferozes na indústria farmacêutica. Taí o seu próximo investimento: bolinhas de gordura altamente especializadas.