Lembro da primeira vez em que, analisando os dados de experimentos que testavam uma ideia, vi que estava completamente errada. Eu tinha trabalhado uns bons dois anos tentando responder a pergunta que norteava meu doutorado. Lembro das lágrimas de desespero ao ver a resposta ser um “não” gigante. Eu sozinha, num país estranho, e tudo o que eu achava que sabia estava errado. Meus colegas – que lá eram minha família – me consolaram. Mas meu orientador me olhou com um ar de estranheza e falou: “Ué? Não foi isso que você veio fazer aqui? Testar a hipótese? Bom, deu negativo; qual a próxima hipótese?”.
Levei uns meses pra me recuperar, mas nosso treinamento, como cientista, se resume a isso: a verdade não é pessoal. Amo um episódio dos Simpsons em que a Lisa fez um trabalho para a escola prevendo como estaria sua cidade 50 anos no futuro. Ela pesquisa mudanças climáticas, e a sua apresentação é tão assustadora que a professora pede aos pais que a levem ao psiquiatra. Ele receita uma droga – o ignorital – que faz com que ela enxergue até as coisas mais terríveis de forma superotimista. Resultado: nem o Homer consegue lidar com a nova Lisa, e não deixa mais que ela tome o remédio – mas continua ignorando o que a filha diz. Ele sabe que Lisa é inteligente e provavelmente está certa sobre o destino sombrio de Springfield, mas prefere apenas... não pensar no assunto.
Renata Salecl, filósofa e socióloga do Kings College em Londres, especialista em neurociência e direito, fala do episódio no início de seu novo livro, A Passion for Ignorance. A expressão era usada pelo psicanalista Jacques Lacan – emprestada do budismo – para descrever como seus pacientes faziam o possível para evitar admitir a causa do seu sofrimento, mesmo que tivessem procurado a terapia para entender isso. Renata examina como, em nível pessoal, evitamos lidar com situações traumáticas para manter ao menos a aparência de que nada mudou. Mas a principal contribuição do livro é o paralelo que faz com as novas maneiras que as sociedades usam hoje para negar informações que desestabilizam as estruturas que mantêm a ordem existente. Em suma: negar a verdade é fundamental para manter o status quo – seja ele qual for. Se o conhecimento é neutro, a maneira como lidamos com ele nunca o é.
A velocidade com que a ciência traz novas informações desafia praticamente tudo o que conhecemos como verdade. O desafio de se manter atualizado pode ser tão ameaçador que é melhor fechar os olhos – ignorar ou negar o que parece perturbador. Quem entende usa isso politicamente – e como! Aos poucos, cria-se uma apatia para tentar diferenciar o que é verdade ou mentira. Pior: uma ideia de que tanto faz. Se qualquer informação é tendenciosa, então por que se importar em estabelecer a verdade? É por isso que a ciência e os cientistas são tão atacados. E é exatamente por isso que o pensamento crítico é, hoje, nossa única chance.