Um vídeo do presidente dos EUA arfando após subir uma escada, afirmando estar saudável e forte, mas evidenciando apenas um idoso doente, reverberou pelas redes sociais nesta semana.
Em seu novo livro, Talking to Strangers, Malcolm Gladwell desenvolve a tese de que todos temos dificuldade em fazer uma leitura correta sobe alguém que não conhecemos bem. Um dos principais pontos seria a dificuldade, por natureza, que temos de assumir que alguém está mentindo. Em seu estilo provocador, Gladwell enumera uma série de mal-entendidos famosos, como os do embaixador e do premiê britânico que, ao conhecerem pessoalmente Adolf Hitler, acreditaram ver uma pessoa perturbada, mas jamais alguém com intenções de começar uma guerra. Ou o do famoso experimento Milgrim, da Universidade de Yale, em que os participantes acreditavam estar dando choques elétricos em um voluntário de testes de memória ao apertar um botão – que não tinha efeito nenhum – porque o recrutador havia explicado que eles poderiam fazer isso cada vez que o voluntário errasse.
Já escrevi aqui que provavelmente evoluímos essa capacidade de acreditar pois em algum momento foi adaptativo reagir a gritos de alarme, quando humanos nômades vagavam em grupos por planícies pré-históricas. Temos 50% de chance de identificar um mentiroso; em 50% das vezes, erramos ao acreditar. Nosso default seria que as pessoas dizem a verdade, habilitando alguns a explorarem isso como uma fragilidade. O processo da ciência é fruto de uma evolução mais recente; aprendemos a coletar e a analisar evidências antes de decidir como reagir a uma situação. Se cientistas recomendam isolamento e máscaras, não é por preferência, mas porque experimentos controlados evidenciam que esses procedimentos produzem resultados. Se avisamos que cloroquina não funciona, é porque conduzimos e acompanhamos centenas de testes – que resultaram esmagadoramente negativos.
Esse foi o processo que nos trouxe antibióticos, internet, água potável. Esses luxos que hoje são considerados corriqueiros não foram proporcionados por políticos que afirmam que uma infecção não é letal, fazendo com que morram centenas de milhares. Que prometem liberar uma vacina antes de completar os testes – jamais te ofereceríamos uma vacina sem testar.
O processo da ciência é seu também. Está em suas mãos acreditar que um idoso que se recusa a usar máscara jamais contrairá o vírus; e que, se contrair, vai se tratar com o mesmo medicamento fajuto que tentou lhe vender – usando o smartphone. É sua – claro - a escolha de acreditar em mentiras como essas, todos os dias, até morrer. Muitos, aliás, contam com isso. Mas é sua, também, a escolha de mudar isso. Pense nisso, especialmente quando for votar.