Na mitologia grega, Phobos representava o medo. Filho do deus da guerra, Ares, e da deusa do amor, Afrodite, acompanhava seu pai nas guerras junto com seu irmão Deimos, o terror. (Não, esta não é a coluna do meu vizinho de página de caderno DOC Francisco Marshall). Todos aqueles que sobrevivem a guerras e outros eventos aterrorizantes, sabemos hoje, têm em menor ou maior grau sintomas de estresse pós-traumático, ou PTSD. Medos aparentemente irracionais são trazidos do subconsciente por algo que evoca uma memória traumática. Respostas como essa são frequentemente descritas como viscerais – vêm das vísceras, pois são acompanhadas muitas vezes de náuseas, vômitos, dores de estomago e reflexos intestinais. Um medo brando frequentemente é descrito como “borboletas na barriga”; e todos nós conhecemos bem o vernáculo para medos extremos, que o decoro me impede de reproduzir aqui.
Ligações do que acontece no cérebro com o intestino vêm sendo intensamente investigadas nos últimos anos. Diferentes estudos mostraram ligações nervosas diretas entre neurônios e células do intestino; outros identificaram mensageiros químicos que transmitem informações entre esses dois órgãos. Mais recentemente, novas evidências associaram bactérias intestinais com comportamentos de cognição e emoção, afetando o humor e mesmo certas desordens psiquiátricas, sem, contudo, explicar como isso ocorre. Porém, um artigo publicado em dezembro, na revista Nature, focando em medo, e especificamente em como o medo desaparece com o tempo, mostrou como o comportamento pode mudar em animais cuja microbiota é afetada.
O estudo comparou grupos de animais com microbiota normal, ou tratados com antibióticos (que matam bactérias boas do intestino tanto quanto bactérias ruins que causam infecção), ou ainda animais isolados em bolhas de plástico que não possuem nenhuma bactéria (sim, isso existe) quanto à reação a um som seguido de um choque elétrico. Quando os pesquisadores pararam os tratamentos com choque, os animais gradualmente deixaram de temer o som. Mas, nos animais com microbiota pobre ou inexistente, o medo ao som persistiu. O estudo prosseguiu mostrado que isso se deve a diferentes genes ativos no córtex pré-frontal – área do cérebro que processa medo, inibindo o desenvolvimento de um tipo de célula específico. Isso estava ligado a compostos produzidos pela bactéria que chegam ao cérebro. A falta de bactérias levava à ausência dessa substância, resultando em neurônios cuja atividade fixava o medo.
Uma inabilidade de extinguir o medo é o que ocorre na PTSD. Mais do que tudo, extinguir o medo quando se aprende que a ameaça foi eliminada foi e é fundamental, tanto no sentido evolutivo como no comportamento necessário para viver em sociedade. Impossível não pensar no quanto o microbioma se modificou quando humanos começaram a viver em cidades, e no quanto as desordens cerebrais se tornaram mais frequentes. Trabalhos como esse trazem uma nova e fascinante fronteira a ser desbravada no estudo do cérebro, com infinitas possibilidades terapêuticas. Os gregos não tinham microscópio; certamente, só por isso não inventaram uma divindade emocionante para as bactérias.