Durante uma janta num congresso internacional, um colega que trabalha em Nova York desafiou: quanto custa um artigo científico publicado em uma revista de alto impacto? Em meio ao silencio geral, lancei:
– US$ 1 milhão.
Surpreso, ele concedeu:
– Exatamente. Esse é o valor mínimo.
Esse cálculo considera um mínimo de três anos de trabalho, salários de pelo menos cinco pessoas com maior ou menor envolvimento, insumos, uso de equipamentos, viagens para networking e apresentação de trabalhos, mais o valor que a Universidade recebe para administrar o dinheiro. Essa nata da produção científica, concentrada hoje nos EUA, com a China nos calcanhares, vem de investimento público. Não de parcerias com empresas, não de doações, mas de governos que, sejam de direita ou esquerda, entendem a importância da ciência e tecnologia para a soberania.
Esses governos não precisam ser apenas federais. O Estado do Texas é conservador há mais de 30 anos seguidos, mas criou um fundo estadual, aprovado por contribuintes (verbas de impostos) de US$ 2,4 bilhões – sim, você leu certo – apenas para estudos em câncer. Atos de apoio foram organizados por manifestantes em frente ao Legislativo. O grosso desse orçamento é para pesquisa translacional – traduz achados básicos para a clínica. Percentuais menores (rubricas entre US$ 300 milhões e 400 milhões) vão para educação e prevenção, pesquisa básica, clínica e recrutamento. O Texas quer levar os melhores cientistas de câncer para trabalhar lá, com enxovais de US$ 3 milhões. Essa iniciativa reflete uma compreensão da população e do setor produtivo daquele Estado de que o petróleo, hoje 40% da economia local, vai acabar. As grandes fortunas são hoje impérios tecnológicos. Saiu para o Texas o Prêmio Nobel de Medicina que curou câncer em pacientes de melanoma metastático, em 2018. Painéis com pesquisadores do MD Anderson Cancer Center forram paredes do Aeroporto Internacional de Houston. Enquanto a Califórnia abriga os bilionários do Silício, os ricaços do Texas adotaram a biotecnologia. Assim, não apenas os governos federais devem garantir a pesquisa, mas os estaduais, mais próximos dos problemas escolhidos por seus constituintes, precisam investir robustamente em ciência, em problemas tecnológicos que reflitam as vocações do Estado. Você pode me perguntar como, num Rio Grande quebrado, que mal paga o salário de seus funcionários, poderíamos fazer isso. Respondo: com uma política. Com incentivos. Com leis. Estreitando laços com as instituições de pesquisa e fomento – aqui, a Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs). Todos esses mecanismos, se de um lado diminuem a arrecadação bruta, revertem em benefícios duradouros: fixam talentos, oportunizam novas indústrias, movimentam a economia – e criam esperança. Não se pode apostar apenas em uma reforma previdenciária para tirar o estado do buraco. Empresários e legisladores têm responsabilidade de garantir fundos para educação, ciência e tecnologia, aliando setores em torno do desenvolvimento, ao invés de beneficiar apenas alguns. Talvez os gaúchos possam, enfim, aprender com os novos caubóis.