Faz sete anos que o mundo fala de Crispr, a tecnologia que revolucionou a biologia molecular simplificando a edição de genes. As universidades MIT e Berkeley ainda brigam na Justiça pela patente que possibilita o uso em humanos, que, como não está ainda regulamentado, causou já a desgraça de um cientista chinês que alterou geneticamente embriões de duas gêmeas. Na semana passada, contudo, a Nature publicou uma virada definitiva nesse jogo: um novo sistema de edição genética que, basicamente, torna o Crispr obsoleto.
Essa é a história de um estudante de Medicina frustrado com seus experimentos de Crispr, cuja eficiência era baixa. (Convenhamos: é baixa mesmo.) Esse estudante, Andy Anzalone, estava em um programa MD/PhD (estuda Medicina e, simultaneamente, faz pesquisa de doutorado) em Columbia pensando em como ele gostaria de ter um Crispr que, em vez de cortar a dupla fita de DNA para consertar, pudesse corrigir uma única base (A, T, G ou C).
O Crispr corta em muitos lugares e nem sempre insere o DNA corrigido no lugar certo. Em vez de uma tesoura molecular, Andy queria desenvolver um lápis. Encontrou mentoria para sua ideia no laboratório de David Liu, no famoso Broad Institute, em Boston. Para quem não conhece, o Broad surgiu em 2003 de uma doação de US$ 100 milhões de um casal visionário, que acreditava na genômica como o futuro da Medicina.
O Broad congrega pesquisadores da Harvard e do MIT com diferentes hospitais da área, como Beth Israel, MGH e o Brigham, promovendo projetos inovadores em medicina combinando as mais audaciosas ideias da ciência básica com medicina de qualidade, solucionando problemas para pacientes sem tratamento. Por exemplo, a anemia falciforme e a doença de Tay Sachs, enfermidades fatais causadas por mutações. Liu e Anzalone usaram seu novo sistema, que chamam de Prime, para introduzir as mutações que causam essas doenças em células normais. Em seguida, usaram-na para corrigi-las, sem quebras de dupla fita, sem adicionar mais DNA. Um lápis preciso, hoje com as patentes já exploradas por empresas, valendo uma fortuna.
Ler e comentar esse tipo de notícia faz parte do meu dia a dia, inspirando estudantes, vibrando com as conquistas de colegas no mundo inteiro. Mas é duro ler sobre as ações do atual governo brasileiro de interromper as linhas de financiamento – já minguadas pelos últimos governos – para ciência e tecnologia. Discute-se fusionar CAPES e CNPq, e extinguir Finep, que financiam o grosso da infraestrutura e pesquisa no Brasil. Não é possível que alguém ache certo escolher a contramão do futuro e desestimular o desenvolvimento tecnológico, concentrado nas universidades. Mesmo o Broad Institute, com todas as doações do casal, não existe sem o dinheiro do governo norte-americano. Ciência é uma pauta prioritária para todos os segmentos da sociedade, por trazer independência e prosperidade para o país. Precisamos urgentemente de uma política de ciência e tecnologia, articulada por legisladores, pesquisadores e investidores que contemple as necessidades nacionais. A alternativa é um Brasil eterno dependente de tecnologias estrangeiras, tomado de desesperança e desastres.