Muitos anos atrás, quando comecei meu mestrado, no Departamento de Genética da UFRGS, minha avó, que mal completara o ensino médio quando menina, não entendia o que eu fazia. Por que eu não tinha emprego, de carteira assinada, como se esperava, depois da faculdade? Eu expliquei que aquele ERA o meu emprego. Que na minha profissão, após a faculdade, era preciso aprimoramento por mestrado, doutorado e pós-doutorado. De graça, perguntou? Expliquei que ganhávamos uma bolsa, não era muito, não tinha os benefícios de um emprego. Para receber essa remuneração não podíamos ter outro trabalho: era dedicação exclusiva. Mesmo assim, para mim, não existia outro caminho. Tive férias pela primeira vez na vida aos 35 anos, após dois pós-doutorados. Mas lembro da admiração nas vozes de minha avó e suas irmãs ao contar que eu fizera o inédito na família: doutorado, carreira no exterior, publicações internacionais. A essa altura já entendiam meu amor pela estranha profissão, que lidava com vacinas. Isso lhes bastava, e as orgulhava.
A minha história é apenas uma de muitas apoiadas pelo CNPq. Fui bolsista de Iniciação Científica, depois mestrado, doutorado e pós-doutorados. A certo ponto virei bolsista de produtividade, verdadeiro prêmio para a resiliência, que usamos para complementar os parcos orçamentos de pesquisa. Assim treinei e formei dezenas de jovens pesquisadores, que hoje trabalham em diferentes cantos do Brasil e do mundo. Colegas americanos e europeus, em cada uma dessas etapas, são tratados como profissionais: há salários, com benefícios, a ciência é uma carreira como qualquer outra. Os valores não são altos, mas há reajustes de acordo com índices locais.
Desde 2013, caíram vertiginosamente as verbas para o CNPq e a ciência; não houve um único reajuste. No próximo mês, todas as fontes noticiam que o CNPq não poderá, pela primeira vez, honrar seus compromissos com os bolsistas, por não ter recebido todo o orçamento. Dezenas de milhares de pesquisadores, hoje a força motriz da ciência e tecnologia do Brasil, ficarão sem sustento. Para o ano que vem, nenhuma indicação de alocação de verba. Todas as novas bolsas foram canceladas. Que estímulo terão meninas e meninos para dedicar sua vida a entender a natureza, ou criar novas tecnologias?
Impossível não perguntar: a quem realmente interessa a paralisação da ciência do país? Para os nacionalistas, digo que está aí a oportunidade de ser patriota: a melhor estratégia para fortalecer a soberania nacional é subsidiar educação e ciência. Para os que sugerem monetizar a Amazônia, saibam que a maior receita não viria de agropecuária nem extrativismo – mas da preservação e investigação dessa biodiversidade única, e do seu potencial biotecnológico. Fariam isso com prazer milhares de bolsistas do CNPq. Cientistas que olham hoje para governantes e legisladores com esperança de que plantem uma semente definitiva de liderança, e garantam o orçamento e a continuidade do CNPq, da ciência e de um futuro para esses jovens, e para o país.