A fantasia de viajar no tempo inspirou algumas das mais belas peças de ficção. Um dos momentos favoritos de livros, filmes e séries é quando os heróis percebem que precisam – e podem – viajar ao passado para corrigir um problema. Porque, de acordo com as leis da física, na vida e para os objetos na escala humana, a seta do tempo corre em uma única direção: para a frente. Isso é estabelecido pela segunda lei da termodinâmica, que diz que a entropia (a desordem) aumenta com o tempo.
O café quente, cercado por ar frio, sempre esfria: a energia se dissipa. Ele nunca mais aquece espontaneamente, e o tempo não volta atrás. Mas, se você for muito pequeno e conseguir chegar ao nível quântico, a matemática dessa dispersão de partículas para chegar a um equilíbrio não se sustenta – as leis parecem ser diferentes. Em 1935, três físicos (Einstein, Podolsky e Rosen) propuseram um experimento teórico e sugeriram que a mecânica quântica estava incompleta, pois era impossível descrever a realidade a partir do comportamento quântico de partículas – o paradoxo EPR. Se duas ou mais partículas estivessem quanticamente emaranhadas (suas propriedades físicas correlacionadas em um nível quântico), o comportamento de uma poderia predizer o da outra.
Em 1964, John Bell formulou um avanço definitivo nesse conceito, a famosa “desigualdade de Bell”, propondo que isso ocorre mesmo quando as partículas emaranhadas estão em localidades distantes. O tema continua trazendo surpresas: no mês passado foi feita a primeira imagem de partículas exibindo o comportamento predito por Bell. Entre 2017 e 2019, um grupo de físicos brasileiros demonstrou que o fluxo de calor pode ser revertido em partículas quanticamente emaranhadas: do frio para o quente, espontaneamente. Será possível, perguntamos hoje, reverter a seta do tempo?
Isso é pesquisa básica. Cientistas apostam o tempo de uma vida, ou mais, para entender a natureza. Tenho absoluta certeza de que nenhum desses grupos de pesquisa acima teve facilidade em conseguir financiamento. Muito teórico, diriam. Oitenta anos? Sem um resultado final? Absurdo, diriam os financiadores. Hoje fala-se em guiar a pesquisa pelo mercado. Empresas, dizem, devem decidir o que os cientistas devem ou não estudar. Sem verba garantida por dinheiro de impostos, a ciência não é feita para benefício público. O mercado é instável e, convenhamos, não sabe o que quer.
Não sabia que queria o Google, idealizado por garotos em um laboratório da Stanford, ou a internet, criada a partir de redes internas do CERN na Europa e do exército americano. O mercado rejeitou a imunoterapia oncológica por 50 anos, até ser estarrecido por ensaios clínicos bancados pelo governo dos EUA. Dos estudos de mecânica quântica surgiu toda a eletrônica que usamos e, talvez um dia, a possibilidade de reverter o tempo. Investir em entender a natureza requer coragem e desapego que não existem no mundo dos negócios. Se você concorda com quem prefere não entender isso, e decidiu deixar para o mercado estabelecer o futuro dos seus filhos e netos, o que eu posso dizer? Boa sorte.