O que é mais importante para um cientista estudar, maneiras como as bactérias controlam infecções virais ou como as pessoas fazem isso? Para os cientistas, a resposta é: ambos!
A pesquisa básica, apesar de parecer não ter utilidade imediata, traz as descobertas que levam à inovação venerada pelos mercados. A maneira como bactérias eliminam vírus é um exemplo. As descobertas nesse campo desencadearam um debate que está sendo travado há sete anos na Justiça. Sua resolução modificará a economia mundial, pois patentes implicam não apenas em lucro, mas possibilitam controle de preços e monopólios.
Em 2012, duas pesquisadoras da Universidade da Califórnia (UC) patentearam um sistema de engenharia molecular com base em como bactérias editam seu DNA e retiram dele os vírus que as infectam – algo até agora inédito. As moléculas envolvidas – coletivamente chamadas CRISPR – foram protegidas pela UC para uso em engenharia genética. Para clonar e propagar genes, as bactérias ainda são a ferramenta primordial.
O mercado mundial de biologia molecular hoje movimenta dezenas de bilhões de dólares, sendo US$ 20 bilhões só em diagnóstico molecular. Mas, em 2013, Feng Zhang, do Instituto de Tecnologia de Massachusetts (MIT), patenteou o uso do CRISPR para os demais organismos, visando ao mercado de alimentos e, futuramente, ao mercado de edição gênica em humanos. No ano passado, um tribunal americano concedeu a patente de Zhang; contudo, neste ano, precisou retroceder. O primeiro critério de patenteabilidade é inovação; o segundo é não obviedade. Os advogados da UC alegaram, com razão, que a maioria dos biólogos moleculares poderia fazer a ponte entre bactérias e outros seres apenas lendo a patente anterior, da UC. Havia, portanto, obviedade, que não foi considerada. Falhou aos juízes a compreensão da ciência básica.
Enquanto o mercado atual de biologia molecular é dominado pora Europa e EUA, as patentes envolvendo novos sistemas de CRISPR (sim, porque é possível desenhar um CRISPR personalizado e patenteá-lo) são mais numerosas na China, no Japão e na Coreia do Sul. Esses países há tempos compreenderam que o mercado de engenharia genética, incluindo bactérias, plantas, gado e humanos, só tende a crescer. O primeiro estudo de terapia gênica para crianças com defeitos genéticos saiu neste ano e teve 100% de sucesso. Terapias anticâncer e antivirais dependerão cada vez mais de biologia molecular. Nessa nova distribuição geopolítica da economia, o Brasil está completamente excluído. As empresas farmacêuticas nacionais preferiram investir em genéricos, ao invés de inovação. O Brasil não investe em tecnologia, nem em pesquisa básica. Muitos acham que tanto faz ganhar dinheiro vendendo soja ou com a tecnologia que aperfeiçoa a soja. Precisamos de líderes que entendam que isso está tragicamente errado.