A coluna de hoje responde a duas jovens estudantes do Ensino Fundamental, casualmente ambas do 9ª Ano mas de cidades diferentes. De Criciúma (SC), a jovem Betânia manda um simpático apelo: Na aula de Geografia, a professora projetou fotos de Porto Alegre e mostrou a ponte levadiça erguida com um navio passando. Para fazer piada, um dos garotos perguntou se levadiça era irmã de levadinha, e a professora disse que daria um ponto na nota para quem trouxesse a explicação até o dia 23, que é na semana que vem. Não sei se o senhor vai ter tempo de responder até lá, mas criei coragem para perguntar porque sou muito sua fã no podcast. Gosto muito de mitologia e não perco nenhum episódio. Se o senhor não puder, obrigada assim mesmo".
Ora, prezada leitora, respondo, sim! Essas duas palavras não têm nada a ver uma com a outra, a não ser a enganosa semelhança entre elas. Levadinha é o diminutivo de levada, feminino de levado, vocábulo que significa, entre outras coisas, "quem é traquinas; travesso, moleque" — a famosa criança levada que todos nós fomos um dia.
Já levadiça vem de elevar; isso ficaria mais claro se a palavra fosse elevadiça (irmã do elevador), mas perdeu o E inicial no caminho. Ao verbo veio se juntar o sufixo –iço, que se liga a um verbo para formar um adjetivo. Todo o mundo conhece a areia movediça (que se move), o terreno alagadiço (que costuma alagar), o material quebradiço (quebra com facilidade), a porta corrediça (que corre sobre um trilho). Vocês já devem ter lido O Cortiço, do Aluísio Azevedo; pois ali ele descreve a Pombinha como "bonita, posto que enfermiça e nervosa ao último ponto" (lembrando, Betânia, que posto que aqui é sinônimo de "embora"). No Dom Casmurro, Machado de Assis narra que "veio ela confessar-nos que o meu amigo Escobar era um tanto metediço e tinha uns olhos policiais a que não escapava nada" — ou seja, Pombinha frequentemente ficava doente e Escobar vivia se metendo na vida dos outros.
A outra vem de Francisco Beltrão, Paraná, onde a jovem Cássia deparou, talvez pela primeira vez, com aquela enriquecedora sensação de que as palavras têm muito mais conteúdo do que parecem. Este é o momento mágico em que deixamos de ser indiferentes aos vocábulos a nosso redor e passamos a ver o dicionário como uma fonte inesgotável de conhecimento e diversão. A Cássia conta que sua avó usa palavras e expressões muito "engraçadas", que antes a faziam rir, mas agora passaram a despertar seu interesse desde que a professora de Português explicou a origem dos nomes dos planetas e a de Biologia mostrou de onde veio o nome de várias partes do corpo (meus parabéns, aqui, a essas colegas que não conheço). Ela não disse como ficou sabendo desta coluna, mas a prática nos ensina que a água, quando começa a se mover, sempre termina achando o seu caminho — e foi o que ela fez. "Professor, pode ser pergunta boba, mas gostaria de saber por que minha avó, quando quer saber o dia, pede que eu veja na folhinha do celular. Já percebi que é uma maneira antiga de falar no calendário, mas não vejo a relação que possa ter com uma folha".
Não é pergunta boba não, Cássia, como vais ver. O nome veio da forma antiga dos calendários da minha infância — geralmente um bloco gorducho, pois tinha no mínimo 365 páginas, cheias de informações, a cada dia, sobre as fases da lua, os santos do dia, os períodos favoráveis ao plantio de hortaliças, etc. Este bloco, em geral do tamanho A6 (uns 14 por 10 centímetros), vinha com as páginas coladas no topo, permitindo que elas fossem destacadas sem dificuldade. Alguém, na família, assumia a responsabilidade, antes de dormir, de descartar a página daquele dia e deixar o calendário atualizado para o dia seguinte — ou seja, no olhar das crianças, tinha o privilégio de arrancar a folhinha.
Com o tempo, o atarracado bloquinho se reduziu a doze páginas, uma para cada mês, servindo, até hoje, como um utilíssimo material publicitário para vários ramos de comércio. Há, também, publicações em forma de livro, como almanaques, contendo todos aqueles dados que vinham antes nas folhas soltas — mas o nome folhinha continuou a ser usado por quem já estava acostumado.
Talvez a mais antiga de todas, a Folhinha de Mariana, editada pela Arquidiocese daquela cidade mineira, vem sendo publicada desde 1870, e merece ser conhecida porque gerou um delicado poema de nosso Carlos Drummond de Andrade, intitulado Ordem:
Quando a Folhinha de Mariana
exata informativa santificada
regulava o tempo, as colheitas,
os casamentos e até a hora de morrer,
o mundo era mais inteligível,
pairava certa graça no viver.
Hoje quem é que pode?