Uma leitora de Vitória, ES, estudante de Relações Internacionais, anexou à sua pergunta um gráfico onde figuram as 10 línguas mais faladas no mundo em 2022 (a nossa fica num honroso oitavo lugar). Diz ela: "Segundo esta pesquisa, as quatro primeiras são o Inglês, o Mandarim, o Híndi e o Espanhol, e discutimos em aula qual delas tem mais condições de se tornar a língua de maior abrangência nas relações políticas, culturais e comerciais do século 21. Descartamos o Híndi, pois praticamente só é usado na Índia e nem ao menos é uma das línguas oficiais da ONU, mas a turma se dividiu entre as outras três: o Inglês, por causa da internet; o Mandarim, por causa da importância crescente da China no cenário mundial; por fim, o Espanhol, por ser o idioma oficial do maior número de países diferentes. Qual seria o seu palpite?".
Eu já devo ter respondido a esta questão, há muito tempo, há muitos anos, e, que eu me lembre, as candidatas eram exatamente as mesmas três — e, exatamente como naquela ocasião, continuo a apostar todas as minhas fichas no Inglês. O Francês seria a minha preferência pessoal, mas vou responder objetivamente à leitora, baseado nos prós e nos contras das línguas que estão no páreo.
Para começar, o Mandarim está fora de questão. Ele nunca haverá de levantar esta taça, pois oferece, para os não chineses, dificuldades insuperáveis. A primeira é o fato de usar um alfabeto próprio, o que o exclui do teclado da maioria esmagadora de computadores e de celulares do planeta, que consagraram o alfabeto latino (como bem entendeu Ataturk, o pai da Turquia moderna, que o implantou quase à força no país). Esta mesma barreira do alfabeto pesa contra o Russo e o Árabe, dois pesos-pesados na arena dos idiomas mais falados.
Em segundo lugar, porque o Mandarim é uma língua tonal, ao contrário de todas as línguas ocidentais. Isso significa que o tom, no Mandarim, é muitas vezes o único traço que permite distinguir entre duas ou mais palavras que têm a mesma sequência de fonemas. Friso que não estou falando da posição da sílaba tônica, a qual, essa sim, é distintiva no nosso idioma, como se vê no trio sábia, sabia e sabiá. No Mandarim, o exemplo usualmente citado é o monossílabo ma: dependendo do tom com que é pronunciada, pode significar "mãe", ou "cânhamo", ou "cavalo", ou ainda "reprimenda".
Segundo depoimentos de missionários que trabalharam na China, um estrangeiro leva anos para distinguir perfeitamente os tons que ouve ― e muitos outros para conseguir pronunciá-los corretamente. Repito: anos! Muitos anos! E é por esse mesmo motivo que, segundo os jornalistas esportivos, a leitura labial é quase inútil para acompanhar, de longe, o que um técnico ou um atleta chinês estão dizendo.
Sem exagero, passar de uma língua atonal para um sistema tonal, como o deles, é e sempre será humanamente impossível para três quartos da população terrestre. O Mandarim nunca poderá ser a lingua franca do séc. 21 ("lingua franca" — sem acento, porque é Latim — é a língua que serve de intermediário entre falantes de línguas diferentes. Por exemplo, o Português foi outrora usado por navegadores e traficantes europeus na costa da África e no sul da Ásia; no Brasil Colonial, foi o Tupi, com suas variantes, que serviu de lingua franca entre os portuguesas e as diversas tribos com que entraram em contato — e assim por diante).
O Espanhol também não serve. Como qualquer língua românica, ele é flexionado demais. Enquanto no Inglês o verbo praticamente fica imóvel, o artigo e o adjetivo são invariáveis e o substantivo muda apenas no plural, no Espanhol, além do verbo marcar tempo, modo, pessoa e número, os substantivos, os adjetivos e os artigos variam para marcar gênero e número. Só isso basta para torná-lo uma língua com escassíssima vocação para a universalidade, pois os falantes de outras línguas teriam de memorizar o gênero de cada substantivo para fazer a concordância do artigo e do adjetivo! E não é mole: sal e creme são femininos no Espanhol, masculinos no Português, neutros no Inglês, mas masculino e feminino, respectivamente, no Francês. Vai saber? Na visita de João Paulo II ao México, americanos que atravessaram a fronteira para vê-lo ostentavam vistosas camisetas com os dizeres "Viva la Papa!" — o que, com a troca do artigo el por la, passou a significar, surrealisticamente, "Viva a Batata!".
Por tudo isso, a palma certamente irá para o Inglês, por sua simplicidade de funcionamento e pelo extraordinário léxico que oferece (ou seja, tem um motor simples com um grande tanque de combustível) — e este título será seu por muito tempo, independentemente do poder que os EUA tenham ou venham a ter no concerto geral das nações. Como a História já mostrou, o Latim se manteve a língua internacional da Ciência muitos séculos depois do Império Romano ter sumido na poeira dos tempos...