Uma assídua leitora desta coluna, a dona Olga Costa Ribeiro, de Livramento, manda recado (com bilhete do próprio punho!) para justificar por que ela se inclui entre os fervorosos defensores da grafia Sant'Ana para o nome de seu município (com apóstrofo), em oposição aos que, como eu, defendem a forma Santana.
Como, neste assunto, militamos em campos discordantes, a dona Olga, professora aposentada que aprendeu a dar mais crédito a fatos do que a simples opiniões, achou saudável comprovar seu ponto de vista com documentação concreta: pesquisa aqui, pesquisa acolá, descobriu que, em meados do século 19, uma fazendeira local doou uma de suas propriedades para o estabelecimento de uma vila, acompanhada de uma imagem de Sant'Ana (assim estava escrito, com apóstrofo e tudo), com a especificação de que fosse dado ao povoado que se iniciava o nome da santa como padroeira. Pronto! Se fosse uma pessoa, e não uma cidade, diríamos que esta seria a sua certidão de nascimento, valendo, portanto, o nome na forma em que foi registrado.
Infelizmente, dona Olga, não é assim que funciona. Com relação à grafia, os nomes geográficos (os topônimos) não têm a mesma impermeabilidade às reformas ortográficas de que gozam os nomes de pessoas (os antropônimos). Por exemplo, embora a forma canônica hoje seja Luís, haverá neste imenso Brasil quem se assine Luiz, Luíz ou Luis, porque assim foi registrado e é direito seu manter essa grafia, se assim quiser (é claro que devemos usar a forma genérica quando falamos de personagens históricos, como Luís de Camões ou os Luíses da monarquia francesa).
O nome de uma cidade, contudo, sempre vai ser sensível às alterações determinadas pelas sucessivas reformas ortográficas. Aquele que é considerado o município mais antigo do Brasil nasceu, dizem os registros, como Cananea, depois virou Cananéia e hoje, com a supressão do acento no ditongo aberto, passou a ser Cananeia, como assembleia e geleia. Como gosto sempre de mencionar, já se escreveu Trammandahy, Trammanday e Tramandahy, mas isso não importa; na ortografia atual, é Tramandaí.
Em suma, não podemos alegar a tradição ou o ato de registro de uma cidade para justificar a grafia do nome dela, pois em milhares de casos, ao longo do tempo, esta grafia sofreu alterações por conta de lei. Sua pesquisa, dona Olga deixou claro que o nome dado na fundação foi Sant'Ana, por expressa vontade da doadora — isso tem valor histórico, mas não a menor influência na forma como hoje se deve escrever. E é bom que seja assim, como vou mostrar.
Em todo o Brasil, o maior país católico do mundo, não é de espantar que haja dezenas de localidades que trazem Santana no nome: Santana do Cariri (CE), da Boa Vista (RS), do Acaraú (CE), da Vargem (MG), etc. — além de Barra de Santana (PB), Campo de Santana (PB), Capela de Santana (RS), Feira de Santana (BA), Riacho de Santana (BA), e por aí vai — todos grafados da mesma maneira, sem apóstrofo. Agora, vamos imaginar um cenário assustador em que cada um desses lugares usasse a grafia que recebeu no seu batismo! Tenho certeza de que encontraríamos nas atas de fundação um verdadeiro pot-pourri de variantes, que incluiria talvez Sant'Ana, Sant'Anna, Santanna, Santana, Sant'Ana e sabe-se lá quantas outras combinações!
É para evitar essa confusão que existe uma lei ortográfica, obrigatória, unificadora, eu diria até republicana, que padroniza todas elas em Santana – e chama os habitantes de todas elas de santanenses. Eu sei que a senhora prefere a outra forma, mas, se lhe serve de consolo, lembre que o próprio nome do Brasil foi escrito durante muito tempo com Z, mas trocou depois pela forma atual. Ah, em tempo: como um passarinho me contou que a senhora vai completar noventa anos daqui a duas semanas, deixo aqui o meu abraço antecipado e meus votos de que continue sendo a leitora atenta que demonstra ser.