A leitora G. Alkmin, de São Paulo, escreve para indagar, com fineza exemplar e estilo impecável, se agora eu poderia responder a uma pergunta que ela fez há muito tempo para esta coluna. "Tenho certeza de que vai completar um ano, professor, pois foi bem no feriado de Tiradentes do início da pandemia. Como não houve resposta, imaginei que sua caixa de correio estivesse muito concorrida e que a minha dúvida, reconheço, não fosse lá das mais significativas. Eu até tinha esquecido, mas quando o senhor, naquele texto sobre trisal, mencionou um lanche batizado de xis-calota (de cuja composição, confesso, não tenho a menor ideia), não quis perder a oportunidade: eu só queria saber se calota, assim como capô, chofer ou chassi, também faz parte daquele vocabulário automobilístico que pedimos emprestado ao Francês".
Cara leitora: revisando meus e-mails daquela data, constatei que sua mensagem tinha passado despercebida e não tinha sequer sido aberta. Não serve como desculpa dizer que isso me acontece com mais frequência do que eu gostaria, mas ao menos a senhora me deu a chance de reparar a minha falta.
É verdade, como comentamos aqui várias vezes, que importamos da França o léxico básico do automóvel. É uma constante, nesses casos: o idioma do país em que fomos buscar determinada tecnologia vai também nos exportar o vocabulário específico — afinal, as palavras seguem as coisas — res verba sequuntur, dizia o velho Horácio. Como o mundo da informática, para dar o exemplo mais recente, chegou até nós pelos países de língua inglesa, é daí que vem a maior parte das palavras que usamos para falar sobre o computador e a internet: cache, modem, reset, chat, chip, boot, hacker, on-line, inbox, e-book, backup e muitos, muitos outros que são indispensáveis para quem precisa transitar com desenvoltura por esta nova paisagem.
No caso do automóvel, nosso contato com a nova invenção se deu na França, de onde vieram os primeiros carros que chegaram ao Brasil, importados, como era de esperar, por celebridades da elite paulista, entre os quais o milionário Matarazzo e o irmão do aristocrático Santos Dumont. Por isso, além do chofer, do capô e do chassi, mencionados na pergunta, usamos também derrapar, marcha à ré, embreagem, biela, virabrequim, cabriolê (ou cabriolé, como vem no Houaiss), entre vários outros — mas não calota. No Francês, o aro do pneu se chama jante e a calota se chama enjoliveur (literalmente, "embelezador", de joli, "bonito", muito usado outrora como nome de cachorrinho de madame).
Na Península Ibérica, Portugal usa jante e embelezador (ou tampão de roda), enquanto a Espanha diz amém com jante e embellecedor. No Brasil, o nome calota, no caso deste componente da roda do automóvel, foi o mero aproveitamento, por semelhança da forma, de um termo já tradicional, que significa "qualquer cobertura ou parte superior que tem forma esférica, côncavo-convexa", presente também nas calotas polares e na calota craniana. No caso do xis-calota, o nome se deve ao tamanho gigantesco deste sanduíche (normalmente entre 25 e 30 cm de diâmetro, como as calotas do antigo Volkswagen), recheado com tudo aquilo que a imaginação e a decência permitirem.
Recomendo — Bem, se esqueci de responder à mensagem da leitora, não vou me esquecer, desta vez, de um aviso oportuníssimo para todos aqueles que, como eu, acham que escrever é uma das ocupações mais prazerosas que existem: a premiada autora Cíntia Moskovich, minha amiga e vizinha, começa agora, dia 10 de maio, uma nova turma da sua tradicional Oficina do Subtexto, um curso on-line via Zoom. São dois módulos de aula, cada um composto de 12 encontros semanais, com ênfase na criação de textos ficcionais (conto moderno). Ao final do curso, os melhores trabalhos serão publicados em livro da editora Bestiário, sem ônus algum para o aluno. Inscrições e mais informações no endereço oficinasubtexto@gmail.com