Arminda P., leitora de longa data, confessa que decidiu escrever para esta coluna ("é a primeira vez em quinze anos, professor!") para perguntar sobre esse vocábulo recebidos que ela começou a ver brotar por toda parte, como cogumelos depois da chuva. "Agora que minha neta instalou o Instagram no meu celular, não passa dia que eu não veja alguém se gabando dos novos recebidos. Pelos vídeos, dá para ver claramente que são presentes, mas não entendo por que resolveram usar este nome".
Prezada Dona Arminda, isso são novidades trazidas pelas chamadas mídias digitais, que vêm alterando tanto nosso vocabulário quanto nosso relacionamento com os amigos e nossos hábitos de compra. Nesse novíssimo cenário — que não vou defender com entusiasmo nem vou lamentar com previsões sombrias porque não sou profeta — surgiu, entre outras criaturas, a figura do/da influencer, que, como diz o flamante rótulo em Inglês, atrai milhões de seguidores e influencia seus corações e mentes. Comercialmente, dizem, alguns desses influenciadores são muito valiosos, porque o simples fato de usarem uma marca de tênis específica ou adotarem uma fórmula milagrosa de emagrecimento faz subir vertiginosamente as vendas de qualquer felizardo que consiga convencê-los a aparecer no Instagram "recebendo" o seu produto — os tais objetos ou presentes recebidos.
Não estranhe, cara leitora. Esse emprego de um adjetivo no lugar do substantivo que ele costuma acompanhar é muito mais comum do que se pensa, especialmente na linguagem específica de determinadas atividades ou áreas de conhecimento, como é aqui o caso das novas mídias. O processo é muito simples: o namoro começa quando um determinado substantivo aparece com grande frequência acompanhado de um mesmo adjetivo. Por exemplo, um dia o substantivo impressão encontra o adjetivo digital. Os dois passam a ser vistos por toda parte, e nós aos poucos vamos nos habituando ao novo parzinho. Com o tempo, como muitas vezes acontece nas famílias humanas, o comparecimento do substantivo a certos eventos e cerimônias deixa de ser necessário. Ele pode ficar em casa sem nenhum problema, porque todos sabem que o adjetivo, que vai a todas, está representando o casal. Como explica Mary Kato, linguista várias vezes citada aqui, o adjetivo "acaba incorporando em si o sentido desse substantivo, cuja presença física se torna até dispensável". Por isso, sem prejuízo da compreensão, podemos deixar o substantivo impressão descansando em paz em sua poltrona enquanto anunciamos que "a polícia encontrou uma digital do acusado na arma do crime".
Quando o jornal fala no salário das domésticas, todos os leitores entendem que se trata das (empregadas) domésticas; o substantivo empregada pode ser dispensado porque ele fica claramente subentendido. Por esse mesmo processo, os (bens) imóveis viram simplesmente os imóveis, os (vendedores) ambulantes viram os ambulantes, chamamos as (notas) promissórias de promissórias e os (dentes) caninos de caninos. Os jovens que encheram as ruas do país bradando por (eleições) diretas prestaram (concurso) vestibular, cresceram e hoje muitos deles, depois de todos esses anos, defendem a formação de uma nova constituinte, em que claramente está implícito o substantivo assembleia.
Muitos desses exemplos têm valor universal; contudo, existem alguns em que o substantivo que ficou implícito só vai ser identificado pelo contexto. "Ele levou duas inteiras e uma meia e não pagou" pode se referir a três entradas para um espetáculo ou a três garrafas de vinho. A manchete "Veja os classificados na edição de hoje" pode se referir a candidatos de um concurso público, a participantes de uma competição ou a pequenos anúncios de compra e venda; uma frase como "Aumentou a procura por conversíveis" vai ser entendida diferentemente por um vendedor de automóveis ou por um operador do Mercado de Capitais. Na fala, "ele tomou um e[?]presso pode se referir tanto a um trem quanto a um café — na escrita, porém, a confusão evidentemente se desfaz: expresso, "rápido; que não para no trajeto", é escrito com X, o que não ocorre com espresso (do Italiano espresso, "café feito sob pressão"). Era isso. E se a senhora quiser me seguir no Instagram, onde vivo como claudio_moreno.rs, será bem-vinda.