A pergunta veio de Deoclécio G., ilustrado leitor, cortês e de fino trato: "Sou leitor assíduo de sua coluna na GaúchaZH e um curioso da língua, circunstância que se tornou um defeito, pois tudo que leio, primeiro corrijo a língua. Noto que os redatores desse jornal, ao se referirem ao nosso País, sempre usam o "P" minúsculo. Desculpas antecipadas pela intromissão de um curioso da gramática, mas a palavra país, quando relacionada ao Brasil ou a outra nação antes referida, não deveria ser grafada com o "P" maiúsculo?".
Prezado leitor: desde o séc. 15, com o surgimento da imprensa, a escrita vem evoluindo para uma espécie de consenso ocidental. Um bom exemplo é o emprego dos sinais de pontuação: há pouquíssima diferença, por exemplo, nas regras adotadas por idiomas como o Inglês, o Português, o Francês e o Espanhol para o uso da vírgula. O mesmo não acontece, no entanto, no caso das maiúsculas, terreno movediço em que podem interferir fatores regionais, filosóficos, religiosos, sociológicos e até mesmo estilísticos (os autores do Simbolismo, assim como os positivistas, tinham verdadeira adição pela caixa alta).
Não é por acaso que nosso último Acordo Ortográfico dedique ao tema tão poucas regras – várias delas, aliás, prudentemente diluídas por modalizadores de atenuação como opcionalmente, em certos casos, geralmente, em princípio –, para então concluir com uma surpreendente observação: "As disposições sobre os usos das minúsculas e maiúsculas não obstam a que obras especializadas observem regras próprias, provindas de códigos ou normalizações específicas".
Isso quer dizer que, afora os dois casos em que o Ocidente chegou à unanimidade (no início da frase ou nos nomes próprios, sejam pessoais, literários, geográficos, etc.), há vários comportamentos tradicionais que podemos adotar, se nos cair no goto. Um deles é identificar a instituição com uma maiúscula. Para mim, como certamente para a maior parte dos nossos leitores, "A Igreja precisa de reformas urgentes" está falando do Vaticano, e não de uma igreja em especial. Também vamos distinguir "a decisão terá repercussão na vida de todos os professores do Estado" (os que têm contrato com a Secretaria Estadual de Educação) de "A decisão terá repercussão na vida de todos os professores do estado" (todos os que atuam no Rio Grande do Sul). É aqui que entra a tua questão. Dentro do mesmo espírito, tornou-se usual escrever País quando é sinônimo de Nação: "O País ficou estarrecido com as revelações da Lava-a-Jato", "O País precisa mobilizar suas forças positivas para sair do caos em que se encontra". Fora disso, é país mesmo: "o Brasil é um país gigantesco", "as florestas de nosso país estão reduzidas à metade", "o acusado tentou várias vezes sair do país". Esta é a praxe que recomendo, seguindo a lição de mestre Luft, mas o prezado leitor vai encontrar vários gramáticos que defendem posições diferentes da minha.
Não posso deixar de mencionar, porém, a opção radical de Valter Hugo Mãe, o São Francisquinho de Assis das letras portuguesas. Indo em direção oposta a mais de três milênios de evolução da escrita, "hugo mãe" (é assim mesmo, em minúsculas, que ele se apresentava em letra impressa) resolveu abandonar as maiúsculas _ todas elas, inclusive as que marcam o início das frases _ para agilizar a leitura e acelerar o texto, chegando "a uma escrita mais próxima do modo como falamos. As pessoas não falam com maiúsculas". Portugal antigo enfrentava o mar e seus mistérios; agora, Saramago investe contra a pontuação, Valter Hugo contra as maiúsculas. Há algo estranho no chá que se bebe no Além-Mar.