A leitora Frederica W. escreve de lugar não identificado para dizer que levou um susto quando encontrou em Mia Couto, seu autor do momento, a frase “Caiu sem nenhuns sentidos”. Bem-humorada, ela acrescenta: “Não vou perguntar se isso está certo; afinal, se ele escreveu assim, é porque pode – mas bem que eu gostaria de uma explicação para suavizar o golpe...”
Prezada Frederica, este nenhuns que estranhas é o polo oposto do pronome indefinido alguns. Ele sempre esteve lá, em todas as gramáticas, mas uma coisa é vê-lo arrumadinho numa lista de pronomes, onde parece inofensivo como uma aranha espetada num tabuleiro de museu, e outra é vê-lo assim, ao vivo, com cara de que já vai saltar sobre nós.
Se fosses portuguesa, nem terias notado este plural, porque ele continua bem vivo na terra de nossos avós. Em Lisboa, uma campanha publicitária proclama que “Lenços há muitos, mas nenhuns como estes”; um fórum da internet registra, abaixo de uma postagem: “Nenhuns comentários”; no belíssimo fado Partindo-se, que põe em música um poema do séc. 15, Amália Rodrigues canta: “Senhor, partem tão tristes/ Meu olhos por vós, meu bem/ Que nunca tão tristes vistes/ Outros nenhuns por ninguém”.
Antes que alguém pense que se trata de uma dessas inovações “suspeitas” da língua falada, lembro que nenhuns figura abundantemente na obra de escritores importantes como Gil Vicente, Camões, Vieira, Garret, Alexandre Herculano, Júlio Dinis, Eça de Queirós, Mário de Sá Carneiro, entre muitos outros.
Deste lado do Atlântico, contudo, sua sorte foi diferente. Este plural chegou a ser usado por Capistrano de Abreu, José Veríssimo, Rui Barbosa, Euclides da Cunha (“duzentos homens válidos, talvez sem recursos nenhuns”) e até mesmo pelo grande Machado de Assis (“Não eram os primeiros versos que escrevia à moça, mas não lhe entregara nenhuns”; “nenhumas relações estreitas existiam entre mim e ela”), mas não soube bem ao paladar brasileiro, que terminou aposentando-o.
Qualquer um de nós diria “não posso indicar nenhum restaurante” – ou, para os mais elegantes, “não posso indicar restaurante algum”. Já “não posso indicar nenhuns restaurantes” parece um daqueles plurais de brincadeira do saudoso comediante Mussum – de quem muito me lembro, quando vejo na TV a chamada para (mais) um programa de culinária, em que o chef, que tem a figura ideal para representar o personagem Queequeg, o arpoador do filme Moby Dick, tropeçou ao formar o plural de mel. Em vez de optar entre méis (minha preferida) ou meles, ambas dicionarizadas, saiu-se com um impossível mels – concorrendo com Mussum, que chamava qualquer birita (“biritis”, para ele) de mé, forma reduzida de mel, que ele flexionava sabiamente no plural mézis.