Uma jornalista americana comparou a escolha de J.D. Vance para compor a chapa com Donald Trump nas eleições de novembro à aquisição, por impulso, de um bem de luxo que o comprador no dia seguinte percebe que não vai conseguir pagar. Com a diferença de que Trump não tem a opção de devolver a mercadoria.
O senador J.D. Vance é jovem, articulado, vem de um "swing state" — Ohio, um dos Estados que oscilam entre democratas e republicanos — e ficou famoso com um livro de memórias que virou filme na Netflix (Era uma Vez um Sonho), em que conta como um garoto de uma família pobre do interior chegou a uma universidade de elite. Esses são seus pontos fortes. Ponto negativo: Vance é um radical, com pouca ou nenhuma disposição para amenizar seu discurso. Trump parecia tão convencido de que a eleição contra Biden estava no papo que se deu ao luxo de escolher um vice-presidente ótimo para agitar as bases, mas péssimo para conquistar moderados e indecisos. E então veio Kamala.
J.D. Vance traz para a arena pública ideias que nem mesmo os republicanos conseguem engolir com facilidade. Ninguém precisa ser de esquerda para ser a favor, por exemplo, dos tratamentos de inseminação artificial, da expansão das creches subsidiadas para famílias pobres, do direito ao aborto em casos de estupro ou incesto e de pedidos de divórcio por qualquer motivo ("no-fault divorce"). J.D. Vance é contra tudo isso, e essas nem são suas ideias mais exóticas.
Nos últimos dias, viralizou uma entrevista em que Vance compara Kamala Harris, provável adversária democrata, a uma "velha dos gatos", porque a atual vice-presidente é mulher, trabalha e não tem filhos — o que, na sua cartilha, é uma falha moral imperdoável. "Rezo para que sua filha tenha a sorte de um dia ter seus próprios filhos", respondeu a atriz Jennifer Aniston pelo Instagram. "E espero que ela não precise recorrer à fertilização in vitro como segunda opção, já que você está tentando eliminar também essa possibilidade."
De um lado, J.D. Vance testando a popularidade de algumas das ideias mais misóginas da extrema direita com o pretexto de defender o que ele chama de "família normal". Do outro, Kamala Harris dizendo com todas as letras que é a favor do aborto (como 63% dos americanos) e que "normal" é ter filhos quando se quer e se pode. Muitos outros assuntos vão estar em discussão, mas, no fim das contas, vai caber às mulheres decidir para que lado essa balança vai pesar.