Nem toda musa vira diva. Nem toda diva nasce musa. Jane Birkin fez o percurso completo. Na primeira metade da vida, amou e inspirou dois músicos (John Barry e Serge Gainsbourg) e um cineasta (Jacques Doillon), criou estilo, batizou uma bolsa, atuou em um filme de Antonioni (Blow-up) e inscreveu sua voz no imaginário erótico-musical do planeta com Je t’aime… mois non plus. Depois dos 40, compôs, gravou, apresentou-se pelo mundo, ganhou o rosto da atriz Lucy Gordon no ótimo Gainsbourg (2010) e foi protagonista de dois filmes: Jane B. por Agnès V. (1988), da amiga Agnès Varda, e Jane por Charlotte (2021), da filha Charlotte Gainsbourg.
São dois documentários personalíssimos, muito diferentes um do outro, que partem da desconstrução dos estereótipos de musa (o primeiro) e diva (o segundo) para revelar um pouco da intimidade da personagem através do olhar de duas observadoras privilegiadas. Em uma das cenas de Jane B. por Agnès V., La Birkin veste literalmente o figurino de musa (camisolão branco e coroa de flores na cabeça) para falar sobre o tédio eterno da posteridade de quem não fez mais nada do que inspirar. É preciso ser muito fã de Varda e/ou Birkin para encarar as pirações da dupla até o fim, mas o filme tem o mérito de lançar um olhar feminino sobre beleza e idealização – na vida como na arte. Ser colocada em um pedestal é fácil (para algumas mulheres, pelo menos). Difícil é ficar inteira na hora da descida.
Em Jane por Charlotte (Mubi), reencontramos Birkin mais de 30 anos depois, já instalada na posição de diva madura. Acompanhamos a devoção dos fãs em Tóquio e em Nova York, visitamos sua casa na Bretanha e assistimos aos diálogos de mãe e filha sobre assuntos que vão da rotina do dia a dia a tópicos mais íntimos – como a estranha formalidade que parece ter marcado a relação das duas. Única filha da união de Gainsbourg e Birkin, Charlotte volta com a mãe à casa onde os três viveram nos anos 1970. Conservado intacto desde a morte do cantor, em 1991, o endereço na Rue Vermeil (que vai abrigar um museu a partir de setembro) invoca todos os fantasmas de um dos relacionamentos mais célebres da França.
A visita à casa da família desfeita e as conversas enviesadas sobre o suicídio da fotógrafa Kate Barry (filha do primeiro casamento de Birkin) obrigam a diva a contemplar a passagem do tempo e suas perdas mais dolorosas, mas é Charlotte Gainsbourg quem parece querer congelar uma imagem em fuga. Começamos a ver o documentário como se fosse uma homenagem a uma grande estrela, mas logo percebemos que se trata de uma amorosa cerimônia de adeus. Não da diva ou da musa, mas da mãe.