O tempo demora a passar no rosto das pessoas com as quais convivemos todos os dias, inclusive nós mesmos. Enquanto conhecidos de infância e de juventude envelhecem décadas durante todas aquelas dezenas de anos em que foram tocando suas vidas em outro lugar, nossas relações mais próximas e nosso próprio reflexo no espelho nos oferecem a ilusão de um tempo desacelerado, ajustado à escala humana de percepção – ou seja, sem pressa para acusar as mudanças mais sutis. O que arruína o truque, claro, são as crianças. Filhos, os nossos e os dos outros, dão uma dimensão vertiginosa à sucessão dos dias. Onde a gente quer câmera lenta, eles são time-lapse.
O ciclo de vida dos nossos ídolos também altera nossa percepção da passagem dos anos. Isso porque aprendemos a associar nosso tempo com o tempo deles – mesmo quando somos de gerações diferentes. Sua juventude faz parte da história de quem nem sequer era nascido quando eles começaram. Assim como sua velhice parece ser a nossa também, por antecipação.
Este ano de celebração da excepcional safra de músicos que nasceram em 1942 nos fez pensar, mais do que o normal, na finitude dos artistas – e na permanência de suas obras. Além das comemorações em torno dos 80 anos de Caetano, Gil, Paulinho da Viola e Milton Nascimento (mas também de Tim Maia, Nara Leão e Clara Nunes, que se foram antes), 2022 será lembrado pelas despedidas, uma definitiva e outra simbólica, de dois dos maiores ídolos dessa geração. Gal Costa (nascida em 1945, mas integrante honorária da turma) morreu no dia 9 de novembro, ainda em atividade. Milton Nascimento, que comemorou 80 anos em outubro, despediu-se das apresentações ao vivo no dia 13.
Alguns (poucos) artistas têm a chance de administrar seus últimos anos sabendo que seu legado não apenas já está estabelecido como continua encontrando novos públicos. Podem permanecer no palco até o último minuto, como Gal. Ou transformar a cerimônia do adeus em uma grande confraternização com os fãs, como Milton.
Não é fácil ver um artista expondo sua fragilidade física sobre o palco. Em alguns momentos, chega a ser doloroso, mas foi catártico viver essa despedida de forma coletiva. Milton estava frágil, mas não estava só. Junto com os artistas mais jovens que cantaram com ele no último show, o som da sua voz, em toda sua plenitude e beleza, continuava ecoando na memória de cada espectador. Como um coro de um milhão de Miltons.
Nenhuma despedida é perfeita. As coisas acabam do jeito possível, muitas vezes de forma abrupta ou melancólica. A encenação de um longo e amoroso aplauso final é, portanto, um privilégio. Na vida como na arte.