Jorge Luis Borges não gostava de romances (menos ainda dos muito longos) e costumava dizer que algumas páginas de Proust eram tão chatas quanto apenas a própria vida era capaz de ser. Sua cidade natal, ou parte dela, pede licença para discordar: é em Buenos Aires, e não em Paris, que se reúne um dos mais entusiasmados – e longevos – grupos de leitores de Em Busca do Tempo Perdido de que se tem notícia.
A história dessa extraordinária jornada proustiana, vivida de forma coletiva desde 2002, é narrada no documentário El Tiempo Perdido (2020), dirigido pela argentina Maria Alvarez, que acompanhou as reuniões do grupo durante quatro anos. Poucos filmes que eu conheço conseguiram mergulhar tão fundo, e de maneira tão despretensiosa, na experiência da leitura. “Tudo que se passa nessa obra eu senti, em algum momento, na minha própria vida, exatamente como Proust descreve”, comenta uma das leitoras a certa altura. E qualquer um que goste de ler (esse ou qualquer outro autor) entende muito bem o que ela quis dizer.
O interesse pela obra de Marcel Proust chega em ótima forma ao biênio em que foram comemorados os 150 anos de seu nascimento (10 de julho de 1871) e os cem anos de sua morte (18 de novembro de 1922). Na França, que um pouco tardiamente reconheceu Proust como um dos seus grandes tesouros nacionais, a data foi celebrada com dezenas de lançamentos editoriais, cerimônias, conferências e exposições, mas as homenagens se espalharam pelo mundo todo. No Brasil, a melhor notícia é o aguardado lançamento de uma nova tradução, assinada por Mario Sergio Conti e Rosa Freire d’Aguiar, agora com o título de À Procura do Tempo Perdido. Os dois primeiros volumes, Para o Lado de Swann (Conti) e À Sombra das Moças em Flor (Aguiar), já estão em pré-venda e chegam às livrarias no início de dezembro.
Apesar de todas as dificuldades para transpor um romance de mais de 3 mil páginas repleto de frases longas e sinuosas, Proust permanece sendo lido, amado e estudado até hoje. Cada proustiano acaba desenvolvendo sua própria explicação para o fenômeno. A minha é bem simples: a obra-prima de Proust é inesgotável. Como um cenário cheio de detalhes que o espectador comum não consegue apreender por completo na primeira vez em que assiste a um filme, há sempre algo novo para descobrir ali – sobre a obra, claro, mas também sobre quem está lendo.
Em Busca do Tempo Perdido é como um labirinto de espelhos que se modifica conforme o olhar, as expectativas e as memórias de cada novo visitante. Um labirinto literário que só um autor como Jorge Luis Borges teria sido capaz de imaginar, mas apenas Marcel Proust conseguiu colocar em pé.