A maioria dos eleitores que já decidiu seu voto associa o candidato adversário a uma versão deletéria de futuro. Vivemos em uma espécie de guerra civil moral, com pontes sendo bombardeadas e minas terrestres explodindo nos lugares e momentos mais improváveis – uma festa de aniversário, um show, uma reunião na escola, um almoço em família.
Quando duas visões de mundo tão irreconciliáveis entram em choque, não há mais espaço para a discordância respeitosa. O único consenso possível é o de que ser obrigado a habitar em seu próprio pesadelo é como ver seu país invadido por um exército estrangeiro que não reconhece seu passaporte ou certidão de nascimento. Daí o cansaço que desabou sobre todos neste interminável mês de outubro. Viver em permanente estado de perplexidade cansa. Argumentar com quem enxerga branco e dourado no vestido azul e preto também.
Nesse ambiente tensionado, a memória de um Brasil com uma identidade simbólica compartilhada parece cada vez mais distante. Como se os habitantes desse país dividido já não conseguissem reconhecer no outro lado qualquer patrimônio comum além da língua e do território.
Pois a representação de um Brasil platônico, acolhedor e exuberante saiu da caverna um instante e deu um pulinho aqui em Nova York. Sob a regência da americana Marin Alsop, a Orquestra Sinfônica do Estado de São Paulo fez dois concertos históricos no Carnegie Hall neste mês. Na primeira noite, brilhou José Staneck, virtuoso paulistano da gaita que interpretou o brasileiríssimo Concerto para Harmônica, op. 86, de Villa-Lobos. No dia seguinte, a Osesp apresentou Floresta Villa-Lobos (The Amazon Concert), uma celebração suntuosa da natureza e da música brasileira que inundou o teatro com sons e imagens. Para quem andava com saudade de um Brasil risonho e límpido – não acima de tudo, mas talvez acima das diferenças –, foi uma noite de trégua em nome da beleza e da vida.
O americano médio sabe pouco ou quase nada sobre o Brasil, mas é difícil passar muito tempo por aqui sem ouvir Bossa Nova ou ler alguma notícia sobre a Amazônia. Mesmo o estrangeiro mais distraído percebe que a cultura e a natureza são tesouros que todos os brasileiros deveriam valorizar e proteger.
Um Brasil que despreza a floresta e antagoniza os artistas e intelectuais não tem nada para oferecer para o mundo. A não ser, talvez, o triste espetáculo da vulgaridade.