Caetano estava preso em um quartel no Realengo, em 1969, quando viu pela primeira vez “as tais fotografias” na revista Manchete. O episódio que inspirou a letra da canção Terra é narrado em detalhes pelo compositor no livro Verdade Tropical (1997) e também no documentário Narciso em Férias (2020), de Ricardo Calil e Renato Terra. “Eram as primeiras fotos em que se via o globo inteiro, o que provocava forte emoção, pois confirmava o que só tínhamos chegado a saber por dedução e só víamos em representações abstratas. E eu considerava a ironia da minha situação: preso numa cela mínima, admirava as imagens do planeta inteiro, visto do amplo espaço”, escreveu Caetano.
Ao contrário das fotografias da nossa própria casa vista do outro lado da rua (no caso, a órbita da Lua, alcançada pelo histórico voo espacial da Apollo 8 em dezembro de 1968), as imagens captadas pelo telescópio James Webb que começaram a ser divulgadas no início da semana passada pela Nasa dependem das legendas para que a gente consiga entender o que está vendo: aqui um exoplaneta com sinais de vapor de água, ali um quinteto de galáxias abraçadas como quíntuplos na barriga da mãe, acolá um berçário de estrelas cercado de poeira cósmica em forma de montanhas e vales.
Nada nas fotos sugere uma paisagem completamente estranha – talvez porque nós, humanos, estejamos acostumados a buscar padrões de familiaridade em tudo que nos cerca. Quem já admirou uma noite lindamente estrelada não tem dificuldades para imaginar um conjunto de formas e cores como aquelas espalhado pelo espaço ao infinito e além – mesmo sem o auxílio de qualquer tipo de substância química. São as descrições científicas que tiram de órbita o observador comum, para quem a ideia de que a Humanidade descobriu um jeito de escrutinar franjas do Universo localizadas a 4,6 bilhões de anos-luz continua sendo nada menos do que assombrosa. A beleza eletronicamente manipulada das imagens impressiona menos do que a magnitude da conquista que nos tocou acompanhar neste brevíssimo instante cósmico que chamamos de “nossas vidas”.
Como Caetano, apresentado às imagens da Apollo 8 quando o país afundava no buraco negro do AI-5, também não nos escapa a “ironia da situação”. Enquanto o Universo se expande através do conhecimento, boa parte dos errantes navegantes deste pálido planeta azul ainda prefere permanecer trancada na cela mínima do ódio e da escuridão.