O primeiro romance sobre fake news foi escrito há quase 200 anos. Na época, as informações falsas, distorcidas ou exageradas tinham um outro nome, “canard” (pato, em francês), mas o princípio era o mesmo: vender gato (mentira) por lebre (notícia). O livro é Ilusões Perdidas (1837), e a nova adaptação para o cinema, dirigida pelo francês Xavier Giannoli, é uma boa desculpa para ler, ou reler, o melhor romance da extensa obra de Balzac (publicada pela primeira vez no Brasil, sempre é bom lembrar, graças ao dream team de editores e tradutores reunido pela Editora Globo, de Porto Alegre, a partir dos anos 1940).
A história se passa na Paris dos anos 1820, para onde o jovem e ambicioso poeta Lucien de Rubempré se muda com a esperança de fazer carreira em literatura. Na primeira conversa com um editor experiente, Lucien descobre que, antes de ser publicado, precisa ficar famoso. E a melhor e mais lucrativa vitrine para um jovem homem de letras em busca de fama, naquele momento, era a redação de um jornal.
Nessa primeira fase do jornalismo (entre 1789 e 1830), como nas redes sociais nos dias de hoje, o negócio era lacrar a qualquer preço. Eram os tempos das penas de aluguel e do jornalismo partidário. Quanto mais polêmica fosse uma opinião, quanto mais indignação causasse nos leitores, quanto mais réplicas e tréplicas provocasse, mais conhecido ficaria o autor – e mais caro ele poderia cobrar para atacar ou elogiar quem quer que fosse.
Em Ilusões Perdidas, Balzac retrata de maneira crítica esse momento em que os jornais se tornaram um novo tipo de força política. Discussões sobre os limites da liberdade (a certa altura, alguém define a liberdade dos jornalistas como “a liberdade da raposa dentro do galinheiro”) e o impacto da nova tecnologia na esfera pública eram novidade. Tudo era confuso, anárquico e aparentemente incontrolável – como agora.
A boa notícia é que, desse caldo original turbulento retratado por Balzac, eventualmente surgiria o jornalismo que se dedica a vigiar os governantes, informar o público com equilíbrio e zelar pelos valores da democracia. A má notícia é que as “canard” (conhecidas na França hoje como “les” fake news) e as “penas de aluguel” não apenas nunca deixaram de existir como ganharam novo fôlego com a tecnologia do século 21.
Resta saber se daqui a 200 anos, quando examinarem os caóticos anos 2020, nossos descendentes sentirão pena ou inveja das nossas ilusões.