Quando uma subprocuradora escreve um parecer contestando a eficácia das máscaras, um senador gasta saliva defendendo um remédio fajuto ou um jornalista espalha desinformações sobre as vacinas, duas coisas podem estar acontecendo. Coisa número 1: não acreditam no que dizem, mas interesses pessoais não declarados (dinheiro, poder, vaidade…) justificam a opção pela desonra pública. Coisa número 2: suas intenções são puras e cristalinas, mas não conseguem avaliar a vastidão da própria ignorância ou as consequências deletérias dos seus erros.
A opção 1 nos leva a um beco sem saída: a desonestidade intelectual. Digamos, para efeitos de raciocínio, que a opção correta seja a de número 2. A pessoa equivocada não obedece a motivações ocultas, mas a convicções íntimas mal assentadas na realidade concreta. Estão nessa categoria quase todos os negacionistas que você conhece pessoalmente: o vizinho que se recusa a usar máscara, o tio que defende o tratamento precoce, o sobrinho que se aglomera na balada, a amiga que não confia em vacinas, o cunhado que ainda acredita no Bolsonaro. A pergunta que nos ocorre é: por que tanta gente se satisfaz com uma versão frouxa e mal-ajambrada dos fatos?
Esse é o ponto de partida do livro The Scout Mindset: Why Some People See Things Clearly and Others Don’t (“A mentalidade do escoteiro: por que algumas pessoas veem as coisas com clareza e outras não”), da pesquisadora com formação em estatística Julia Galef. A autora sugere que há basicamente duas maneiras de raciocinar: como um escoteiro e como um soldado. O escoteiro é aquele que busca mapear o terreno antes de acampar – e qualquer informação nova relevante pode alterar seus planos. O soldado, por sua vez, é treinado para não questionar seu objetivo e defendê-lo até o fim. O soldado e o escoteiro são arquétipos, ou seja, modelos usados para ilustrar uma ideia. Ninguém é um perfeito soldado ou escoteiro em todas as circunstâncias – e todos somos capazes de encontrar ótimas justificativas para nossos autoenganos.
Galef propõe algumas atitudes básicas para não nos afastarmos muito do escoteiro que mora dentro de nós: procurar “pontos cegos” dentro do próprio raciocínio, questionar pressupostos e, se for o caso, admitir o erro e mudar de ideia. Como princípio, sempre tentar ver as coisas como são e não como gostaríamos que fossem. Está longe de ser fácil, mas é muito mais seguro do que montar a barraca em cima de um ninho de cobras.