Em seu perfil no Instagram, o artista plástico espanhol Isaac Cordal autodefine-se como “part-time pessimista”. É dele uma das imagens que melhor sintetizam o atraso nas discussões sobre mudanças climáticas. Apelidada na Internet de “Políticos discutindo o aquecimento global”, a obra é composta por minúsculas figuras humanas de terno e gravata, algumas com a água já ultrapassando a altura das sobrancelhas, deliberando com certa tranquilidade sobre algum assunto aparentemente corriqueiro.
Uma cena real da última semana fez a obra de Cordal, de 2011, parecer “full-time otimista”: passageiros de um trem, em pé sobre os assentos, seguram seus celulares acima da cabeça enquanto a maré de água escura aproxima-se dos seus pescoços. As inundações em Zhengzhou, capital da província chinesa de Henan, fazem parte de uma série de catástrofes climáticas registradas no Hemisfério Norte neste que já vem sendo chamado pela imprensa americana de “o verão do desastre”: enchentes na Alemanha, deslizamentos de terra na Índia, ondas de calor extremo nos Estados Unidos e no Canadá... Uma espécie de trailer acelerado de um futuro distópico, anunciado há décadas pelos cientistas, exibido ao vivo e em tempo real.
Nunca fui especialmente interessada em ficção futurista, mas calhou de “o verão do desastre” me apanhar em meio à leitura do excelente O Deus das Avencas, reunião de três novelas do escritor Daniel Galera. A segunda delas, Tóquio, é uma trama pós-humanista sobre pessoas de carne e osso obrigadas a lidar com as memórias digitalizadas de seus amores desencarnados. Nesse futuro não muito distante em que a Terra se tornou um lugar inóspito, novos problemas convivem com velhas tragédias, e a divisão entre ricos e pobres parece ter se acentuado ainda mais.
Enquanto isso, aqui no presente, vacinas com tecnologias revolucionárias ficam concentradas no lado rico do planeta e bilionários fazem turismo no espaço enquanto dois terços das crianças terráqueas ainda não têm acesso à Internet. Uma das personagens de Tóquio, convencida de que a água nunca vai chegar ao seu afluente pescoço, não parece muito preocupada com o fim do mundo como o conhecemos: “O mundo nada mais é do que um lugar do qual não se pode fugir”. Quer saber como ela termina? Leia o livro.