Um dia, quando a Era Bolsonaro for apenas um distante equívoco de um passado remoto, alguém talvez use os resultados da pesquisa do Datafolha divulgados na semana passada para ilustrar o estado de dissonância cognitiva em que o país se encontrava em julho de 2021. Dois anos e meio depois de eleger o presidente, a maioria dos brasileiros considera Bolsonaro "desonesto, falso, incompetente, despreparado, indeciso, autoritário e pouco inteligente" (Folha de S. Paulo, 8 de julho de 2021). É como acordar de ressaca, depois de uma farra monumental, e descobrir que todas as gafes e erros de julgamento que você cometeu na véspera irão persegui-lo sem clemência pelos quatro anos seguintes. Você já viu esse filme: "Se beber, não eleja".
Vale a pena examinar mais de perto os itens pesquisados pelo Datafolha. No primeiro pelotão, estão os adjetivos mais comumente associados aos políticos com os quais não concordamos. "Desonesto, falso, incompetente, despreparado" é o kit básico do descontentamento – o genérico que costuma traduzir qualquer tipo de mal-estar difuso com relação a quem está no poder. Essas palavras já foram usadas em contextos e com pesos tão diferentes que quase não significam mais nada. Ser considerado "incompetente" e mesmo "desonesto" raramente impediu um político de ser eleito no Brasil.
Quando chegamos aos itens "indeciso" e "autoritário", começamos a nos aproximar daquilo que é particularmente original – e dissonante – em Jair Bolsonaro. Trata-se de um homem que se orgulha de dizer que "tem a caneta", que manda, que faz, que arrebenta, mas ao mesmo tempo costuma terceirizar todas as responsabilidades e não assume a culpa de nada. Não sabe como a economia funciona, ou quem compra as vacinas, ou de onde vem o patrimônio que sua família acumulou nos últimos 20 anos, mas faz questão de dizer que manda em tudo e em todos. Bolsonaro adora ser patrão, mas é incapaz de ser um líder.
De todos os quesitos pesquisados, o que me parece mais revelador é o último: "pouco inteligente". Não porque seja surpreendente, mas pelo significado simbólico. Vivemos em um país que estuda pouco e lê menos ainda. Não é preciso muitas luzes para que alguém seja tratado como "sumidade" ou "doutor". Comer três refeições por dia, ter frequentado a escola e morar em uma casa feita de tijolos já é sinal suficiente de distinção para alçar qualquer um à condição de elite intelectual – e se falar alto e com aspereza, o lorde de subúrbio ainda corre o risco de virar "mito".
Não é banal que a maioria dos brasileiros considere que o atual inquilino do Palácio da Alvorada é um néscio. Mas, sim, pode ter um lado positivo: o país finalmente elegeu um presidente que faz a maioria dos cidadãos se sentir mais inteligente.