“Forças terríveis” derrubaram Jânio Quadros (segundo a carta-renúncia de 1961). “Forças espirituais do mal” estão ameaçando o governo Bolsonaro (segundo Onyx Lorenzoni).
Para os moradores da cidade de Cocalzinho de Goiás, as “forças do mal” têm nome, sobrenome e retrato no jornal. Lázaro Barbosa é temido não apenas pelas barbaridades que cometeu, mas pela fama de “bandido-assombração” – um criminoso que pode estar em qualquer lugar, a qualquer momento, à espreita da próxima vítima. É o diabo solto na rua, no meio do redemoinho: um perigo real que se torna ainda pior quando é transformado em mito.
Já as “forças do mal” citadas pelo ministro Onyx Lorenzoni não se escondem nas matas do Cerrado, mas no reino das trevas concretas de Brasília. No pronunciamento truculento que tinha como objetivo defender o presidente das acusações de irregularidades na compra da vacina Covaxin – e de quebra intimidar os que fizeram a denúncia –, o ministro citou um versículo bíblico em tom de ameaça: “Porque a nossa luta não é contra o sangue e a carne, e sim contra os principados e potestades, contra os dominadores deste mundo tenebroso, contra as forças espirituais do mal” (Efésios 6:12). E ainda arrematou: “Deus está vendo!”. Com Deus rebaixado ao posto de capanga, quem precisa do diabo?
Não sei que conselheiros deste ou do outro mundo assopraram o versículo ao ministro, mas nada se adapta melhor aos delírios ideológicos bolsonaristas do que a retórica da guerra santa contra forças ocultas. Sempre esteve claro que o imaginário religioso que abastece o discurso do presidente e de seus acólitos é baseado no ódio e na vingança, não na piedade (seria difícil defender a tortura e o amor ao próximo ao mesmo tempo...). Não basta instrumentalizar a linguagem religiosa com objetivos eleitoreiros, é preciso transformá-la em arma apontada contra adversários políticos de ocasião – o que consegue ofender tanto quem considera a Bíblia um livro sagrado quanto quem defende o Estado laico.
O ministro vem de Efésios, eu volto com Guimarães Rosa: “O diabo vige dentro do homem, os crespos do homem – ou é o homem arruinado, ou o homem dos avessos”.