Bruce Springsteen e Barack Obama batendo um papo diante de um microfone. Para quem é fã de ambos, a premissa do podcast Renegades: Born in the USA, lançado em fevereiro, é irresistível.
Springsteen, 71, e Obama, 59, se conheceram durante o período em que o segundo morava na Casa Branca. Foi um caso de broderagem instantânea, como contam logo no primeiro episódio. Música e política compõem o eixo central das conversas, mas o cantor e o ex-presidente falam também sobre racismo, dinheiro, paternidade e a crise de identidade do “american way of life”, entre outros assuntos. O episódio sobre os modelos de masculinidade a que ambos foram expostos durante a adolescência talvez seja um dos mais reveladores. A conclusão é que pouco ou nada mudou desde que eles eram garotos: “Ainda hoje, boa parte da cultura popular ensina os meninos que sua masculinidade é definida unicamente pelo seu desempenho nos esportes e o sucesso com as meninas”, constata Obama. “E pela violência”, completa Springsteen.
É difícil imaginar um encontro parecido com um elenco nacional. Para substituir Springsteen não faltam candidatos (Caetano? Chico? Paulinho da Viola?), mas Obama não apenas é o primeiro presidente negro dos Estados Unidos, mas o único, até agora, nascido na década de 1960. Obama pode parecer um macróbio para quem tem 22 anos, mas, para a minha geração, ele foi o primeiro líder global a compartilhar referências culturais que vão do próprio Bruce Springsteen aos livros de Harry Potter que nossas filhas leram na infância. (Faz diferença a geração em que um político nasceu? Não necessariamente, como estamos aprendendo da pior maneira possível: o sujeito pode nascer nos anos 1950, mas sair de fábrica com motor recauchutado de 1930.)
No caso de Obama, o aspecto geracional deve ser levado em conta quando se analisam tanto sua visão de mundo, que tenta estender uma ponte entre valores tradicionais americanos e reivindicações mais recentes na arena política, quanto o perfil de sua atuação pública desde que saiu da Casa Branca. Ele e a mulher, Michelle, tornaram-se uma usina de produção de conteúdo: além dos lançamentos recentes de livros e podcasts (cada um com o seu), o casal assinou um contrato para a produção de um pacote de minisséries e documentários para a Netflix, com o objetivo comum de “educar, conectar e inspirar”.
Um cínico ficaria desconfiado, mas, na situação em que estamos, o que me deixa cada vez mais desconfiada é o próprio cinismo.