Uma ilha artificial ligada a uma ilha de verdade (Manhattan) por duas passarelas. Inaugurada na última sexta-feira, Little Island é uma daquelas excentricidades de Nova York capazes de irritar e maravilhar na mesma intensidade. Quem precisa de uma ilha da fantasia no meio da selva de concreto? Quem não precisa?
O parque flutuante custou US$ 260 milhões e foi bancado pelo magnata da mídia Barry Diller, que doou o empreendimento à cidade e vai cobrir boa parte dos custos de manutenção pelos próximos 20 anos.
Por aqui, cavalo dado, amarrado em espaço público, não escapa de ter os dentes examinados (“porque nada é erguido em Nova York sem alguma briga”, sublinhou o New York Times). Foram anos de idas e vindas, negociações e protestos até o acordo, intermediado pelo governador Andrew Cuomo, que deu sinal verde para a construção da ilha – localizada no trecho do cais do Rio Hudson onde, em 1912, desembarcaram os sobreviventes do Titanic.
Diller encomendou o projeto ao designer britânico Thomas Heatherwick, conhecido pelo uso inovador de materiais em esculturas e monumentos públicos espalhados pelo mundo. Uma de suas obras mais impactantes, a escadaria em forma de vaso batizada de The Vessel, bancada por outro bilionário filantropo e inaugurada em 2019, fica a poucas quadras de Little Island.
A estrutura bolada pelo escritório de arquitetura de Heatherwick repousa sobre colunas de diferentes alturas, em formato de tulipas, lembrando um pouco as formas curvas de Niemeyer. Dentro da ilha, além de espaços para tomar um café ou simplesmente repousar o olhar sobre o rio e a vegetação, há um anfiteatro idealizado para receber atrações culturais a preços populares. A entrada no parque é gratuita, mas é preciso marcar hora para evitar aglomerações.
Arquitetura, tecnologia e alguns milhões de dólares investidos em filantropia separam Little Island, em Nova York, do Cais Embarcadero, em Porto Alegre, mas há pontos em comum nos dois projetos de revitalização de uma área portuária. Além de terem sido alvo de polêmica, ambos foram inaugurados quase ao mesmo tempo, em meio à crise e ao baixo-astral da pandemia. Tanto um cais quanto o outro andavam abandonados, e tanto porto-alegrenses quanto nova-iorquinos achavam que assim não estava bem.
Cidades são espaços de convívio da diferença e do contraditório. Quanto maior a cidade, maior o número de visões em disputa. Às vezes, o que se perde em uma dessas disputas não tem volta: um conjunto de casas antigas, uma árvore, uma vizinhança inteira degradada por uma perspectiva predatória do desenvolvimento urbano. Mas qualquer cidade é sempre uma ideia em construção, um organismo vivo que aceita e rejeita novidades. O sucesso do Cais Embarcadero e de Little Island não será medido pelo número de posts no Instagram ou pelo burburinho dos primeiros dias, mas pela disposição dos moradores de acolherem a nova paisagem como se ela sempre tivesse existido.