Quando, certa manhã, o país acordou de sonhos intranquilos, percebeu, abismado, que havia um cavalo solto no hospital.
A tensão no ar era galopante, mas ninguém sabia exatamente o que podia ser feito para resolver o mais novo drama nacional – até porque nunca antes na história desse país um cavalo havia colocado as quatro patas dentro de um hospital.
O próprio cavalo parecia um pouco desconfortável – e entediado – com a situação. Nos tempos em que relinchava solto pelos pastos da vizinhança, jamais havia examinado a sério todos os inconvenientes de trotar solitário pelos corredores estreitos de um hospital. Nem mesmo sua relativa liberdade para cavalgar napoleonicamente de uma ala a outra do sanatório geral – como se soubesse para onde estava indo e qual o sentido de estar ali – aliviava a nostalgia do ócio quadrúpede para o qual demonstrava natural talento e nítida vocação.
Enquanto os mais cautelosos ficavam aflitos imaginando quantos estragos um cavalo desgovernado poderia causar em ambiente tão despreparado para rompantes equinos, a turma do deixa-disso garantia que não havia por que se preocupar. Dentro do hospital, diziam, o cavalo em breve aprenderia a se comportar e, bem orientado, talvez até ganhasse alguma destreza praticando cirurgias (a evidente ausência de polegar opositor nas patas em questão não lhes parecia uma limitação relevante a ser levada em conta).
A genial imagem do cavalo solto no hospital foi criada pelo comediante americano John Mulaney, pouco depois da eleição de Donald Trump, e faz parte de um espetáculo de stand-up disponível na Netflix (Kid Gorgeous at Radio City). Há quem diga que se trata da melhor piada-síntese sobre a era Trump – e eu concordo. Durante o show, Mulaney conta que nunca havia se interessado tanto assim por política antes, mas, penso eu, quando um cavalo entra em um hospital, é difícil não perder as rédeas da situação.
O comediante Paulo Gustavo também não parecia muito interessado em política. Ainda que toda piada carregue uma certa visão de mundo – e a dele fosse essencialmente amorosa e libertária –, sátira política não era sua praia. Calhou de ser política, porém, uma de suas últimas falas, a mais repetida nas redes sociais nos últimos dias. Uma mensagem tão eloquente quanto foi sua própria morte, aos 42 anos, no dia em que se iniciava a CPI que anda assustando alguns cavalos soltos por aí: “Rir é um ato de resistência”.