O livro O Impostor (2014), do escritor espanhol Javier Cercas, conta a incrível história real de um homem que enganou um país inteiro durante mais de 30 anos. Enric Marco ficou famoso apresentando-se como herói da Guerra Civil Espanhola e sobrevivente do Holocausto. Deu palestras, recebeu homenagens e chegou a dirigir uma organização de vítimas do nazismo. A farsa foi desmontada em 2005, quando um historiador começou a desconfiar de algumas das peripécias narradas por Marco – já então um senhor com mais de 80 anos. A história do falso herói espanhol é narrada também no documentário Ich Bin Enric Marco (2009) e rendeu reflexões de autores como Mario Vargas Llosa e Claudio Magris.
A enorme capacidade fabulatória de Marco é modesta comparada à do francês Jean-Claude Romand. Para a família e os amigos, Romand era um cardiologista bem-sucedido que saía de casa todos os dias para ir trabalhar. Em vez disso, o falso médico ficava vagando a esmo de carro ou se escondia em hotéis. Para sustentar seu estilo de vida, dava golpes e desviava o dinheiro da mulher. A farsa terminou, depois de 18 anos, de forma trágica: aterrado com a ideia de finalmente ser desmascarado, Romand matou a mulher, os filhos e os pais. O personagem inspirou um livro, O Adversário (1999), do escritor francês Emmanuel Carrère, e um filme, com o mesmo título, estrelado por Daniel Auteuil.
Se Marco e Romand inventaram para si biografias inexistentes, há impostores que se tornam mestres na arte de ocultar o que de fato está acontecendo. Personagens que conseguem sustentar durante anos – ou décadas – a fachada de cidadãos respeitáveis. Alguns deles foram desmascarados recentemente no Brasil. Gente como o médico Roger Abdelmassih, o curandeiro João de Deus e o vereador Jairinho, todos protegidos não apenas por falhas da Justiça, mas por uma rede invisível de cúmplices e capangas.
Há poucos dias, foi a vez dos fantasmas no armário do empresário Samuel Klein, fundador da Casas Bahia e conhecido como “o rei do varejo”, virem à tona. Uma longa reportagem publicada na semana passada no site de jornalismo investigativo Agência Pública revelou como o empresário manteve durante décadas um esquema de aliciamento e exploração sexual de crianças e adolescentes. Celebrado como empreendedor de sucesso, Klein morreu em 2014, aos 91 anos, sem nunca ter respondido pelos seus crimes.
Quando um país inteiro é enganado, ou se deixa enganar, por décadas ou apenas alguns anos, é impossível não se perguntar quem ajudou o impostor a dormir tranquilo durante tanto tempo. No caso de Samuel Klein, pelo resto da eternidade.