Não consigo acompanhar o raciocínio de quem acredita em energia das mãos, memória da água, terapias quânticas – ou em remédios milagrosos receitados ao arrepio da ciência. Minha alucinação, como a do Belchior, é suportar o dia a dia e as coisas reais.
Ainda assim, entendo o fascínio das soluções mágicas. Enquanto a ciência nos obriga a aceitar que nem todas as doenças têm cura, nem todas as perguntas têm respostas e nem tudo o que sabemos é suficiente, a tenda dos milagres oferece alívio imediato – pelo menos psicológico. Quando admitimos que não sabemos tudo, continuamos perguntando, testando, medindo, comparando resultados – até acertar. O problema das soluções mágicas é que, além de não resolverem os problemas, criam uma sensação ilusória de segurança que, em alguns casos, pode ser fatal. (“Não tema, com Smith não há problema”, costumava dizer o vilão de Perdidos no Espaço pouco antes de, mais uma vez, colocar em risco as vidas de todos os tripulantes da nave Júpiter 2.)
A incrível história das terapias fajutas não começou no ano passado, com a cloroquina e as outras curas fantásticas sacadas da cartola bolsonarista de tempos em tempos, nem cinco anos atrás, com a pílula do câncer (fetiche do então deputado Jair Bolsonaro, um dos autores do projeto de liberação da fosfoetanolamina, sancionado pela presidente Dilma Rousseff e barrado depois pelo STF) – embora ambas compartilhem o mesmo garoto-propaganda especialista em absolutamente nada. O que não faltam, no Brasil, são as terapias baseadas no “funciona pra mim”, muitas delas disponíveis no SUS. Que doentes busquem tratamentos que prometem curas milagrosas não chega a ser surpreendente, mas não podemos aceitar que o pensamento mágico continue prosperando sem oferecer resistência, principalmente quando se trata de saúde pública.
Torço para que a CPI da Covid chegue ao ponto de responsabilizar todos os que se aproveitaram da credulidade e do medo para se promover, ganhar dinheiro ou desviar a atenção dos problemas reais que não estavam sendo atacados como deveriam – falta de vacinas, de oxigênio, de medicamentos para entubação... Mas esse pode ser um bom momento também para nos perguntarmos o que, além da politização do assunto, tornou o Brasil um terreno tão fértil para a alucinação coletiva do tratamento precoce. E o que podemos fazer, no futuro, para proteger pacientes e suas famílias das falsas promessas dos vendedores de milagres.