Exatos 50 anos haviam se passado desde o Grito do Ipiranga quando Pedro II achou por bem conhecer um pouco melhor o impávido colosso que lhe havia caído no colo imperial pouco mais de três décadas antes.
Esforços para obter dados objetivos sobre a população brasileira (quantos somos? onde moramos? do que vivemos?) vinham pipocando desde o ano de 1819, pelo menos, mas nenhum argumento havia convencido a família real a tirar a mão da algibeira para bancar os custos da operação. Vai daí que em 2022, junto com o bicentenário da Independência (e, com sorte, o primeiro Dia do Foi-se), vamos comemorar os 150 anos do primeiro censo realizado no Brasil.
Passaram-se quatro anos até os resultados desse primeiro recenseamento começarem a ser divulgados (por motivos de: a calculadora e o computador ainda não haviam sido inventados). Éramos então quase 10 milhões de almas – mas apenas 15% delas seriam capazes de ler essa informação, ou qualquer outra, nos jornais. A profissão mais comum no país era a de “lavrador” seguida por “serviços domésticos” – e mais de 40% das pessoas diziam não ter ocupação fixa. Das crianças de seis a 15 anos, apenas 17% dos meninos e 11% das meninas frequentavam a escola. Cerca de 15% da população era composta por escravos (na corte, o Rio de Janeiro, esse número chegava a quase 40%).
A reação na imprensa foi de espanto e indignação com o retrato em preto e branco revelado pelo censo de 1872. Os números eram um golpe duro na autoimagem nacional. “Somos um povo de analfabetos!”, estampou o jornal O Globo na edição de 14 de agosto de 1876. “Luz, luz, luz a jorros!”, clamava a revista Imprensa Industrial, destacando as “profundas trevas” em que tateia um país que não valoriza a educação – e não conhece a si mesmo, poderíamos acrescentar. Machado de Assis, escrevendo na Semana Ilustrada, deixou a sutileza de lado: “E por falar neste animal (o burro), publicou-se há dias o recenseamento do Império”.
A legislação brasileira prevê que o Censo Demográfico seja realizado de 10 em 10 anos.
O último estudo é de 2010 e deveria ter sido repetido no ano passado. Com a covid, precisou ser adiado. Este ano, alegando “falta de recursos”, o governo federal escapou de mais essa responsabilidade e o novo recenseamento ficou para 2022. (Se uma oferta de vacina em meio à pandemia pareceu difícil de entender, imaginem uma planilha de Excel cheia de números e letrinhas...)
Luz, luz, luz a jorros. Nunca precisamos tanto.