Qual foi a última vez que um político lhe deu uma alegria? Não falo de “schadenfreude” (aquela satisfação que nos transfixa a alma quando uma figura que desprezamos se afunda lentamente na lama dos próprios crimes e ardis), mas de genuína e desarmada alegria, livre da razão cínica que reduz todas as atitudes a meios para atingir determinados fins.
Quando trechos da entrevista de Eduardo Leite ao jornalista Pedro Bial começaram a circular nas redes sociais, na noite de quinta-feira, fiquei eufórica e comovida com a notícia de que o governador gaúcho havia decidido assumir publicamente sua orientação sexual. Por vários motivos. Pela coragem, pela transparência (melhor antídoto contra fofocas e piadas de borracharia) e principalmente pela inspiração para pessoas que ainda vivem situações dolorosas de não aceitação. Quanto mais se fala no assunto, mais difícil fica sustentar o discurso de que pessoas gays levam uma vida infeliz ou de pecado ou fora da norma – e mais intoleráveis se tornam os gestos de homofobia. Parece óbvio, e é, mas não para todo mundo. Não no Brasil de 2021.
Algumas vezes, nos últimos anos, acompanhei momentos que inauguraram uma nova etapa no debate público ou anunciaram os primeiros sinais de uma mudança de cultura que começava a se desenhar no horizonte. Era criança quando a Lei do Divórcio foi aprovada, em 1977, mas consegui entender que alguma coisa importante acontecia ali. Lembro da primeira vez que vi uma mulher na bancada do Jornal Nacional (Valéria Monteiro, em 1992), da primeira protagonista negra de uma novela da Globo (Taís Araújo, em 2004), da legalização da união civil entre pessoas do mesmo sexo no Brasil (2011), do dia em que Fernando Henrique passou a defender a legalização das drogas como nova estratégia para combater o tráfico (2011) e, mais perto de mim, da primeira mulher que assumiu a direção de redação da Zero Hora (Marta Gleich, em 2012) e da legalização do aborto no Uruguai (2012) e na Argentina (2020).
Pode parecer que essas mudanças se restringem a um ambiente limitado ou à vida de uma única pessoa, mas, na prática, esses marcos exercem uma influência enorme na maneira como determinados assuntos passam a ser vistos pela maioria mais resistente a transformações. Nos Estados Unidos, a aprovação do casamento entre pessoas do mesmo sexo, reconhecido pela Suprema Corte em 2015, cresceu de 35%, em 1999, para 70%, em 2021. Abram alas para a História colorindo o futuro com novos matizes de pensamento.
A corajosa decisão de Eduardo Leite foi recebida com entusiasmo por boa parte da centro-esquerda e pela direita de vocação democrática e liberal. Mas não demorou muito para surgirem os “sommelier de intenções” – gente que se apressou a apontar o “cálculo político” do gesto. Ficaria admirada se um político jovem e ambicioso não planejasse estrategicamente cada movimento da sua carreira. Não existe homem público que não pense em termos de ganhos e perdas do seu capital eleitoral. É do jogo. Se essa estratégia vier acompanhada de uma quebra de paradigmas positiva, ganhamos todos – os que votam e os que não votam nele.
Desejo sorte para o governador Eduardo Leite em seus projetos políticos (e que se arrependa até o fim dos seus dias pelo decepcionante flerte com o bolsonarismo), mas, no momento, o que importa é que ele fez História. Com H maiúsculo.