Conheci a história das irmãs March com o título que o filme de 1949 recebeu no Brasil: Quatro Destinos. Lançada, por acaso, no mesmo ano da publicação de O Segundo Sexo, livro sagrado do feminismo, a terceira adaptação para o cinema do romance de Louisa May Alcott (as duas primeiras são de 1918 e 1933) não acrescentou qualquer dose de rebeldia às Sessões da Tarde da minha infância. Pelo contrário. Apesar do espírito livre da protagonista, que resiste à ideia do casamento e sonha em tornar-se escritora, o romance costumava ser lido pelo público e pelos cineastas como uma celebração dos valores da família e da virtude e não como um manifesto pela independência feminina – o que explica o sucesso imediato nas livrarias e as inúmeras adaptações para o teatro, o cinema e a televisão nos últimos 150 anos.
Mas clássicos são aqueles livros que cada época relê a sua maneira. Na adaptação para o cinema de 1994, a primeira pós-feminismo, Jo March (Winona Ryder) passa a ser retratada não apenas como uma “pequena mulher” de personalidade voluntariosa, mas como uma jovem que busca realização pessoal também fora do casamento e da família. Na versão de 2020, Jo (Saoirse Ronan) vai um pouco mais adiante. Além de ironizar a fantasia romântica do príncipe encantado, a personagem aprende a não subestimar os próprios méritos e batalha para ganhar o que merece pelo seu trabalho – como muitas de nós nos dias de hoje.
Os dois últimos filmes ganharam no Brasil o título de Adoráveis Mulheres, mas a tradução de 1949 ainda é a que eu mais gosto.
Cada uma das quatro irmãs March molda o destino (nem sempre adorável) do jeito que sabe e pode, mas há algo em comum entre elas: a nostalgia de um tipo de cumplicidade, temperada por rivalidade e nutrida por afeto incondicional, que costuma se estabelecer entre irmãs ou amigas muito próximas e desempenha um papel central na formação de boa parte das mulheres. Nesse sentido, a versão que está em cartaz nos cinemas destaca o aspecto “proustiano” do romance de inspiração autobiográfica de Louisa May Alcott: a ideia de que apenas a arte pode recuperar – e manter viva para sempre – a memória dos afetos do passado.