O rádio, o automóvel, o avião, o telefone. O jazz, o surrealismo, o cinema falado e a Semana de Arte Moderna. O voto das mulheres, a crise de 29, a ascensão do nazismo. A Geração Perdida. Abaporu, Macunaíma, Sítio do Picapau Amarelo e Mickey Mouse. A Coluna Prestes, os tenentes, a Revolução de 23, Borges e Getúlio. Art déco, à la garçonne, charleston, crash. Chanel, Josephine Baker, Rodolfo Valentino e as melindrosas. Noel, Cole Porter, Francisco Alves, Mário Reis, Tia Ciata. Fitzgerald, Hemingway e o outro Borges, nosso vizinho. Chaplin, Metrópolis e O Grande Gatsby. Revista do Globo, Rua da Praia, Confeitaria Rocco.
O Viaduto Otávio Rocha em construção. Meu pai em construção. Meu pai na Confeitaria Rocco no colo dos meus avós. E os meus avós com a idade que a minha filha tem hoje.
Mal começaram e já têm toda minha simpatia as inevitáveis evocações dos anos 20 do século passado. Dois algarismos nos unem, cem anos nos separam, mas há coincidências. Não passamos pelo trauma de uma guerra mundial no passado recente, mas de ânimos políticos acirrados nós entendemos bem. Também não nos é estranha a sensação de descontinuidade e ruptura em relação ao mundo em que nascemos – no nosso caso, aquele mundo em que se mandavam cartas e se liam jornais de papel, mais ou menos como nos anos 1920.
O escritor americano F. Scott Fitzgerald batizou a década de "a era do jazz" ("the jazz age"). Outros preferiram incorporar os ruídos da música, dos motores e das mudanças de comportamento no epíteto "os estrondosos vinte" ("the roaring twenties"). Para os franceses, foram simplesmente "os anos loucos" ("les années folles"). Uma guerra tinha acabado de devastar a Europa, e outra chegaria no final da década seguinte, mas entre um passado que não servia mais e um futuro que ninguém seria capaz de prever, havia um presente de grandes novidades para aproveitar – ou combater. Como sempre.