Sigo dois princípios básicos na hora de escolher presentes para as crianças da família: menina não brinca de limpar a casa, menino não brinca de matar. (O contrário também vale.)
Nada é inocente ou sem consequências nesta vida, muito menos um brinquedo. Brincar é a coisa mais séria do mundo para uma criança – e o melhor canal de comunicação entre pais e filhos, tios e sobrinhos, padrinhos e afilhados. Enquanto se diverte, a criança está aprendendo, socializando e absorvendo os valores dos adultos que a cercam. O que vai acontecer se eu arrancar o brinquedo da mão de um amiguinho? E se alguém quiser brincar com os meus? Meus pais gostam de brincar? Tem brinquedo "de menino" e brinquedo "de menina"? Por que alguns amiguinhos e seus pais acham que sim e outros que não? Fazer arminha de dedo é legal ou bobalhão?
Quando incentivamos uma menina a brincar com um aspirador de pó ou uma máquina de lavar roupa, e um menino não, a mensagem é óbvia: no futuro, quando sua casa estiver muito suja, peça para seu companheiro dar voltas de carrinho na quadra ou praticar tiro ao alvo enquanto você resolve o problema. Ensinar as meninas que as tarefas de casa são responsabilidade unicamente delas é uma forma de limitar não apenas as suas escolhas, mas sua criatividade e inteligência. Dar uma arma de brinquedo a um menino é banalizar o que nunca deveria ser banalizado, muito menos entre crianças.
Meninos e meninas, felizmente, crescem por caminhos imprevisíveis. Terão a vida inteira para desenvolver suas próprias opiniões sobre divisão das tarefas domésticas e porte de armas – que podem, ou não, coincidir com as dos adultos que os criaram. E essa é a beleza da nossa espécie: podemos crescer para além das expectativas das nossas famílias.
Mas, se as crianças têm um futuro inteiro para inventar, a nós, adultos, cabe a responsabilidade de escolher o que sonhamos para elas no presente.
No caos de uma loja de brinquedos, onde muitos de nós preferem passar o mínimo de tempo possível, nossas escolhas refletem talvez uma memória de felicidade do passado (aquele brinquedo do qual nunca esquecemos), uma ideia de futuro – os sonhos que permitimos que as crianças tenham, os adultos que sonhamos que elas se tornem – e nosso compromisso com o presente.
Meus votos neste Natal são de que crianças de todas as idades nunca percam a capacidade de imaginar um mundo menos dividido e mais humano. E, se possível, que as arminhas (de dedo ou de plástico) um dia sejam consideradas tão disparatadas quanto os cigarrinhos de chocolate.