Na frente e por trás das câmeras, Greta Gerwig é reconhecida como um nome importante na indústria cinematográfica pelas personagens mulheres que ressignificam seu lugar na sociedade. Foi assim com Frances Ha (2013), longa de Noah Baumbach em que vive uma garota que se recusa a ceder ao peso da vida adulta, símbolo da geração Y. E com Mulheres do Século 20 (2017), em que interpreta uma fã de punk rock na Califórnia dos anos 1970, refletindo ideais feministas daquela geração. Greta demarcou posição quando estreou como diretora em Lady Bird – A Hora de Voar (2017), dando a Saoirse Ronan o papel de uma menina que atravessa os altos e baixos da adolescência.
Desde antes de sua estreia solo na direção – assinou Nights and Weekends (2008) com Joe Swanberg –, Greta acalentava o desejo de realizar uma nova adaptação para o cinema de um romance sobre a vida de quatro irmãs nos Estados Unidos à época da Guerra da Secessão. Mulherzinhas (1868), de Louisa May Alcott, tornou-se um clássico literário ao mostrar a ânsia de jovens sensíveis e talentosas por uma vida que fizesse sentido, tanto no casamento, destino comum às mulheres da época, quanto na profissão, desafio a que poucas se lançavam.
Em Adoráveis Mulheres, que estreou nesta semana no Brasil, Greta mantém o tom quase ingênuo da obra, mas demarca as frustrações e o consequente amadurecimento que as irmãs March terão de encarar para realizar sonhos em um tempo nada promissor para as mulheres.
Emma Watson é Meg, a irmã mais velha e mais suscetível ao amor. Saoirse Ronan vive Jo, a rebelde com dons literários, que não liga para a aparência e reclama do azar de ter nascido mulher. Eliza Scanlen interpreta Beth, a pianista caseira e tranquila, considerada pelas próprias irmãs como “a melhor” das três em termos de temperamento. E Florence Pugh faz Amy, a caçula travessa e espirituosa, que pinta e desenha nutrindo uma competição com Jo.
Como o livro, o filme de Greta atravessa os anos para mostrar o efeito do tempo nessas jovens. Faz isso de forma não linear, ora lembrando das meninas em sua infância, na casa de campo administrada pela mãe, papel de Laura Dern; ora mais tarde, quando o futuro é uma realidade menos colorida do que a imaginada. Greta utiliza o recurso das cores para marcar esses períodos: se os anos de alegria são vívidos, o começo da vida adulta ganha tons cinzentos e melancólicos.
Inversão
São as inquietações de Jo que conduzem a narrativa de Adoráveis Mulheres. Casar ou realizar-se profissionalmente? Namorar ou garantir o sustento para uma família que vive com limitações? O conforto da vida no campo ou as possibilidades de Nova York? Amar ou bastar-se a si mesma?
O grande desejo de Jo é ser escritora, e ela sofre mais do que as irmãs com as restrições que o mundo lhe impõe. Vive numa quase obsessão pela independência, anda com os cabelos bagunçados e mal consegue perceber a paixão que desperta em seu amigo, Laurie (Timothée Chalamet), e, mais tarde, já dando aulas em Nova York, no professor Bhaer (Louis Garrel).
Jo tem tanto medo de deixar os sonhos lhe escaparem que acaba impondo sua visão às irmãs, mas recebe uma advertência da mais velha: o casamento pode não ser atraente para ela, mas nem todas pensam assim.
Outro comportamento que diverge dos arroubos de Jo é o de Mrs. March, encarnada por uma Laura Dern muito menos irada do que a advogada que a atriz viveu em História de um Casamento. No entanto, é preciso lembrar que é a mãe quem dá asas aos anseios das meninas. Até a solitária, amarga e sovina Tia March (Meryl Streep) contribui para o amadurecimento das sobrinhas, lembrando que, para a independência de uma mulher, é preciso ter dinheiro.
Em linhas gerais, Greta é fiel ao livro até decidir o futuro de Jo.
Se a escritora Louisa May Alcott optou por tornar sua heroína mais conformada, a cineasta coloca em dúvida se o desfecho a que estamos assistindo é o da personagem ou apenas uma história dentro da história. Isso porque Jo está escrevendo um livro sobre a própria vida familiar e ouve do editor que finais felizes vendem mais. É uma sacada de Greta, autora do roteiro, que evita críticas feministas, mas também é uma referência à decisão de Alcott em relação à Mulherzinhas: a autora não tinha interesse em romances para garotas, mas não resistiu aos argumentos do seu editor sobre a lucratividade de uma obra mais comportada.
Outra decisão de Greta diz respeito à escolha dos intérpretes masculinos. Verdade que no livro tanto Laurie quanto Bhaer correm atrás de Jo. Mas, no original, o professor é um homem mais velho, que já perdeu o viço. Timothée Chalamet e Louis Garrel, pelo contrário, são dois dos atores mais bonitos e requisitados do cinema. Dois galãs correndo atrás de uma jovem mais brilhante do que propriamente bonita, que só pensa na carreira e tem pavor de casamento, é aquela inversão de papéis a que as mulheres tinham direito.