Para muitos, ele é o estereótipo do galã de cinema francês: atitude blasé, cabelo desgrenhado, rosto anguloso de beleza assimétrica, sempre com um cigarro na mão e uma citação intelectual nos lábios. Em sua passagem pelo Brasil na última semana, Louis Garrel disse em entrevista por telefone a Zero Hora que está tentando sair dessa "zona de conforto": parou de fumar compulsivamente assim que chegou ao país - mas não larga o cigarro eletrônico.
Outro movimento nesse sentido é o próprio filme que o trouxe aqui, estreia do ator na direção de longa-metragem. Selecionado para a Semana da Crítica do Festival de Cannes deste ano, Dois Amigos (2015) é uma comédia sobre um triângulo passional focada mais na amizade do que no amor, na qual o personagem de Garrel é uma versão derrisória da imagem que o público tem do jovem astro.
Na produção que estreia na Capital nesta quinta-feira, Garrel divide o roteiro com Christophe Honoré - cineasta fundamental na cristalização da persona cinematográfica do ator, a quem dirigiu em títulos como Minha Mãe (2003), Em Paris (2006), Canções de Amor (2007) e A Bela Junie (2008).
Em Dois Amigos, um tímido e atrapalhado figurante de cinema apaixona-se por uma jovem presidiária que trabalha de dia em uma loja de sanduíches em uma estação de trem em Paris. Clément (Vincent Macaigne), porém, desconhece a situação de Mona (Golshifteh Farahani) e não entende o comportamento esquivo da amada. Desesperado, pede ajuda ao extrovertido amigo Abel (Garrel). A situação se complica quando Mona e Abel começam a se interessar um pelo outro, colocando em xeque a amizade com Clément.
Descoberto pelos cinéfilos em outro triângulo amoroso - Os Sonhadores (2002), de Bernardo Bertolucci -, Louis Garrel é filho do premiado cineasta Philippe Garrel, realizador egresso da nouvelle vague que o dirigiu em sua estreia aos seis anos, em Beijos de Emergência (1989), e em filmes como Amantes Constantes (2005) e O Ciúme (2013). Em Dois Amigos, o novato diretor de 32 anos equilibra com inteligência momentos alegres e melancólicos em um agridoce "bromance" - uma espécie de história de amor entre camaradas. A bela iraniana Golshifteh Farahani, de À Procura de Elly (2009), é ex-namorada de Garrel - ele teve antes um relacionamento com a atriz e diretora italiana Valeria Bruni Tedeschi, irmã de Carla Bruni, e atualmente namora a top model e atriz francesa Laetitia Casta, que veio ao Brasil com o companheiro.
Entrevista: Louis Garrel, ator e diretor
Dois Amigos é seu primeiro longa-metragem. Quais foram as maiores dificuldades que você encontrou?
Qualquer trabalho que faço é um prazer. Mesmo quando tenho que fazer as escolhas mais difíceis é um prazer. Depois do desejo de fazer o filme, o mais complicado foi reunir o dinheiro para filmar.
Como foi escrever o roteiro com Christophe Honoré?
Trabalhei seis vezes como ator com ele. Eu amo muito os roteiros dos filmes dele, os diálogos que ele escreve nunca são realistas. Gosto quando os diálogos são um pouco bizarros, barrocos, sofisticados. Então, escrevemos juntos e nos divertimos muito criando cenas ora dramáticas, ora cômicas, sem deixar pistas para que o espectador consiga adiantar qual será o tom de cada cena.
Dois Amigos é um filme mais sobre o amor do companheirismo do que sobre o amor do desejo. Você concorda?
A amizade dividida entre dois homens pode ser tão poderosa quanto o amor. O engajamento e mesmo o mecanismo dessa relação inclui também ciúmes, comparações físicas e mesmo sensualidade. Não necessariamente no sentido de sexualidade, mas da sensação muito agradável com a presença do outro. O filme tenta evocar esse tipo de amor entre amigos.
O filme faz uma espécie de desconstrução de sua persona cinematográfica. Isso foi proposital?
Por conta dos personagens de artistas ou de românticos que já interpretei, fiquei com uma certa reputação de alguém um pouco pretensioso ou algo assim. Resolvi me divertir com isso em Dois Amigos. Há uma cena, por exemplo, em que a personagem Mona me xinga: "Por que você está fazendo beiço o tempo todo, acha que isso lhe dá um ar profundo?". Todo mundo riu nessa cena quando o filme foi exibido em Cannes.
Como você avalia o momento político atual na França depois dos atentados terroristas e com a questão da onda de refugiados na Europa?
Acho que nesse momento as pessoas estão reagindo de forma muito passional aos atentados, porque estamos chocados e tentando encontrar as respostas. Eu não me sinto capaz de apresentar soluções à questão da imigração, por exemplo. O que posso dizer é que a minha geração não estava habituada a essa violência. Nós não fizemos o serviço militar, porque já tinha sido anulado, e crescemos sem nunca ter visto a guerra. Tive sorte que meu filme estreou bem antes dos atentados, porque os cinemas e teatros em Paris estão vazios agora.
Quais são os diretores com quem você gostaria de trabalhar?
Eu adoraria trabalhar com Almodóvar, adoro a excentricidade barroca dele. Gostaria de ter trabalhado com Patrice Chéreau, que já morreu, ou com Arnaud Desplechin... Mas, na verdade, não tenho tanto essa vontade de trabalhar com esse ou aquele diretor. Eu amei trabalhar, por exemplo, com Maïwenn em Mon Roi (2015). Ela é uma diretora com quem eu particularmente nunca tive interesse antes de colaborar. E eu adorei trabalhar com ela e Vincent Cassel (ator)!
Três filmes com Louis Garrel
Os Sonhadores (2003)
Filme do veterano Bernardo Bertolucci que lançou, além de Garrel, a francesa Eva Green. Os dois contracenam com Michael Pitt em uma história sobre a amizade e o amadurecimento que tem como pano de fundo a Paris de maio de 1968.
Amantes Constantes (2005)
Louis Garrel pode ser visto em vários longas de seu pai, Philippe. Neste, interpreta um poeta de 20 anos que se envolve com uma escultora (Clothide Hesme) em meio à turbulência política da França de 1968.
Em Paris (2006)
Ator-fetiche de Christophe Honoré (fez com o diretor Canções de Amor e A Bela Junie, entre outros), Louis Garrel aqui vive um jovem romântico e bon-vivant, que divide a cena com o irmão (Romain Duris), sujeito de personalidade oposta, que está deprimido após o término de um relacionamento.