Fiquei observando os dois sentados lado a lado na sala de embarque do aeroporto. Conseguia escutar o que eles diziam, até porque não se preocupavam em ser discretos. Não fazia ideia qual seria a profissão da dupla, até que me deram uma pista. Um deles comentou sobre uma atriz de TV: "Aquela? É uma mulherzinha à toa". Arqueólogos, por certo. Desenterraram dois fósseis numa única frase.
Eis o curso da história: "mulherzinhas" evoluíram para "mulherões", e as "à toa", que existiam apenas como lenda difamatória, hoje são presidentes de empresas, esportistas, participantes de rali, médicas, engenheiras, motoristas de aplicativos e de caminhões, jornalistas, vereadoras e um longo etcetera, e ainda impressionam por sua capacidade de preservar a maternidade como importante realização biológica da espécie, mesmo em meio a tantas transformações.
Há vestígios de sua passagem pela Terra, mas ninguém sabe dizer quem foi a última "mulherzinha" sobrevivente: a única certeza é que elas foram extintas, não existem mais. As "mulherzinhas" eram translúcidas e decorativas. Precisavam pedir licença para dar opinião e, mesmo quando recebiam, não eram escutadas. Frágeis e dependentes, seus fósseis são hoje fonte de informação valiosa no estudo da evolução da espécie. Pode-se, muito raramente, encontrar uma variação de "mulherzinha" escondida em algum reduto, servindo de primeira-dama de um poderoso. Mas a história confirma que elas desapareceram mesmo e deram origem a uma nova categoria classificada como "mulherões", que hoje habita todo o planeta.
Já a "à toa" é fonte de discussão entre paleontólogos, pois há indícios de nunca ter existido. É enorme a incredulidade no meio científico de que possa ter passado pela Terra, algum dia, uma mulher inútil. Ainda que a espécie, na era das "mulherzinhas", não trabalhasse fora das cavernas, é sabido que a maioria delas tornou-se mãe - o que fulmina por completo a ideia de uma classe "à toa". Mesmo as que não exerceram a maternidade, dedicaram suas vidas a cozinhar, costurar, podar o jardim, cuidar de outras crianças, lecionar, medicar feridos, aconselhar atormentados, comandar orações e gerenciar a rotina doméstica. Pesquisas apontam que o termo "à toa" possa ter sido derivado de um preconceito ancestral em relação à sexualidade das "mulherzinhas" e se mantido até os dias atuais na tentativa de oprimir os "mulherões", já que, em algumas mentes arcaicas, ainda causa espanto o fato de as mulheres terem o direito de fazer o que bem entendem com o próprio corpo.
Eis o curso da história: "mulherzinhas" evoluíram para "mulherões", e as "à toa", que existiam apenas como lenda difamatória, hoje são presidentes de empresas, esportistas, participantes de rali, médicas, engenheiras, motoristas de aplicativos e de caminhões, jornalistas, vereadoras e um longo etcetera, e ainda impressionam por sua capacidade de preservar a maternidade como importante realização biológica da espécie, mesmo em meio a tantas transformações.
Quanto aos dois sujeitos na sala de embarque, que ainda acreditam que existem "mulherzinhas à toa", espera-se que rumem à extinção, eles também.