Em um espaço de um mês, minha mãe foi internada duas vezes no mesmo hospital e recebeu alta em ambas sem saber direito o que teve, mesmo estando sob o cuidado de excelentes médicos e enfermeiros, e de ter sido minuciosamente examinada. Na falta de um diagnóstico preciso, passei a refletir a respeito desse universo com que tinha pouca familiaridade.
O diagnóstico, no fim das contas, às vezes é apenas este: ausência. E o remédio, presença.
Do ponto de vista do paciente, é uma chatice, claro. Hospital, na maior parte das vezes, está relacionado à doença. A pessoa entra fragilizada, com dor, sem saber se sairá viva e a mercê das escolhas de estranhos - que remédios tomar, de quantas em quantas horas, se pode levantar, o que deve comer: o oposto do livre arbítrio. Tem que dar adeus ao pudor também. Seu corpo não lhe pertence mais. Será apalpado, investigado, perfurado. Seu sono será interrompido no meio da noite para que colham seu sangue, tirem sua temperatura, questionem sobre seu cocô. Parece ruim, mas é o paraíso, pois é evidente que o paciente em questão tem um plano de saúde que cobre um quarto individual. Bem diferente da maioria da população, que leva meses ou anos para ser atendida, muitas vezes no corredor mesmo, por falta de leito.
Voltemos ao hospital em sua versão idílica. Um ambiente silencioso, higienizado e distanciado de tudo o que se conhece como realidade, aquela constituída de hábitos, rotinas e compromissos. Dentro de um hospital, não existe sexta à noite, terça de manhã, Dia dos Namorados. É um exílio sem calendário. Um território neutro, ativo 24 horas, onde plantonistas se revezam, médicos entram e saem, doentes se curam ou falecem. Uma amostra condensada da dinâmica da vida.
Sobre a experiência do paciente, acabo de especular. Sobre a experiência do acompanhante, falo com mais propriedade, já que passei muitos dias lá dentro. A questão é que não estamos doentes e há um turbilhão de tarefas aguardando por nós lá fora, além da nossa cama macia. Mas nossa mãe adoeceu. Ou nosso pai. Nosso irmão. Um filho. Você não está acompanhando um desconhecido, mas alguém por quem possui um sentimento grandioso - e com quem quase não conversava mais por falta de tempo.
Era onde eu queria chegar: nunca conversei tanto com minha mãe, nunca rimos tanto, nunca estivemos tão juntas durante os dias que se arrastaram naquele quarto impessoal. Um hospital pode ser um calvário, mas pode ser também o local em que você se liberta de papéis cumpridos mecanicamente e resgata a sensibilidade e a humildade diante da dor alheia. O diagnóstico, no fim das contas, às vezes é apenas este: ausência. E o remédio, presença.