Na década de 1860, já perto do final da carreira, José de Alencar era um escritor frustrado. Tinha dedicado boa parte da vida a escrever livros em que o Brasil deveria se reconhecer como nação, mas os resultados haviam sido decepcionantes. (Considerado um best-seller para a época, o romance O Guarani não vendeu mais do que 6 mil livros ao longo de 16 anos.) Um colega mais novo, Machado de Assis, atribuía esse descaso com relação à literatura a uma espécie de "conspiração da indiferença".
O que os dois escritores não sabiam era que o público que poderia se interessar pelos seus romances era muito menor do que eles imaginavam. A ficha só começou a cair a partir de 1872, quando foi realizado o primeiro recenseamento no país. A informação de que 84% da população brasileira não sabia ler caiu como uma bomba entre os literatos da época, que se imaginavam preteridos por romancistas estrangeiros e não simplesmente inacessíveis para a grande maioria. Não havia conspiradores, havia analfabetos.
Em 2019, temos 7% de analfabetos e 30% de analfabetos funcionais no Brasil – e a "conspiração da indiferença" ainda é alarmante. Vivemos em um país que lê pouco, quase não vai ao teatro e raramente põe os pés em um cinema. A produção é mal distribuída geograficamente e as políticas culturais são erráticas: o que um governo coloca em pé, o outro desmonta – mesmo quando um partido permanece no poder por vários mandatos. Não há continuidade de políticas públicas, e a sociedade civil não parece se sentir responsável em manter seus teatros, seus museus, seu patrimônio histórico.
Isso já era assim no tempo de Peri e Ceci. Não apenas porque somos um país de analfabetos, mas porque aqueles que leem nunca assimilaram completamente a ideia de que a cultura constrói valor para uma sociedade e é responsabilidade de todos, não apenas dos governos. Isso talvez explique por que, passados sete meses do incêndio do Museu Nacional, pouco mais de R$ 1 milhão tenha sido arrecadado para a reconstrução do prédio – uma fração do valor doado para a Notre-Dame em apenas algumas horas.
O que parece novidade em 2019 é a sensação de que estamos vivendo algo ainda pior do que a indiferença. Levar a cabo a reforma da Previdência é complicado. Acalmar os caminhoneiros é um pepino. Manter a popularidade entre os próprios eleitores é um desafio diário, mas estrangular as fontes de financiamento da Cultura é barbada. Sem oferecer alternativas ou se preocupar com as consequências a curto prazo, o governo Bolsonaro tem sido surpreendentemente ágil e diligente em colocar em prática todas as promessas de campanha que miravam o desmonte da Cultura.
Chega a dar saudade da indiferença.