Parecia apenas uma pequena rosquinha incandescente saltando tostada do forno, mas era um lauto banquete para a Humanidade.
A simples ideia de que fomos capazes de captar a imagem de um buraco negro localizado a 55 milhões de anos-luz da Terra deveria nos encher de humildade e esperança. Sim, somos apenas os inquilinos mais recentes (e mais bagunceiros) de um "pálido ponto azul" vagando em uma esquina qualquer do universo há 4,5 bilhões de anos, mas, vamos combinar, a gente se puxou para quem ainda ontem (350 mil anos, mais ou menos) mal tinha aprendido a cozinhar o próprio almoço.
A ciência coloca em operação algumas das nossas principais habilidades como espécie: cooperação, observação, imaginação, sistematização. E ninguém precisa entender o que é um buraco negro para reconhecer o impacto desse esforço no nosso dia a dia. O conhecimento científico está presente em quase tudo a nossa volta. No papel ou dispositivo eletrônico em que você está lendo este texto, na roupa que você usa, nas vigas que sustentam a sua casa, na perspectiva, bastante realista, de que você terá bem mais do que 31 anos (expectativa de vida média em 1900) para honrar o lado "sapiens" da sua espécie.
Se devemos tanto assim à ciência, deveríamos estar entupindo os laboratórios de dinheiro e cobrindo os cientistas de glória e gratidão. Acima de tudo, deveríamos estar muito interessados em ouvi-los quando eles têm algo a dizer sobre os assuntos que estudam. Mas, por estupidez, comodismo ou ambos, estamos fazendo justamente o contrário. Não apenas investimos pouco em ciência como passamos a tratar certos assuntos como se fossem objeto de opinião e preferências pessoais. Aquecimento global? Não acredito. Vacina? Não gosto. Homeopatia? Super funciona.
Negar a ciência não é um tipo de burrice inofensiva – se é que existe burrice inofensiva. Paga-se um preço alto se os cientistas não são ouvidos quando o governo traça planos para a exploração da Amazônia, por exemplo. Ao tratar a questão do clima e da preservação do ambiente com descaso, o governo Bolsonaro escolhe ignorar o que a ciência tem a dizer sobre a relação entre desmatamento e aquecimento global quando esse já não é mais um assunto que se preste a soluções à moda Scarlett O'Hara ("amanhã eu penso nisso"). Eventos extremos, como as chuvas que atingiram o Rio de Janeiro na semana passada, devem se tornar cada vez mais frequentes se não fizermos nada para deter o aumento da temperatura do planeta. Não se trata de alarmismo, mas de consenso científico, e o custo de ignorar esses alertas é pago com vidas de gente como eu e você. Não daqui a um milhão de anos nem a 55 milhões de anos-luz de onde nós moramos, mas aqui e agora.