Todos os dias a gente ouve falar de alguém que está tentando ir morar fora do Brasil ou já está lá: Portugal, Miami, Canadá, Timbuktu. (Sem falar nas piadas, cada vez mais frequentes, daqueles gaúchos que prometem emigrar para o Uruguai se determinado candidato vencer as eleições de outubro. Haja Uruguai...) Eu mesma tenho uma filha estudando longe há dois anos e sem planos de voltar tão cedo.
A sensação de que o aeroporto vem sendo visto como a única saída para o Brasil é confirmada pelos números. Uma pesquisa realizada no mês passado pelo Datafolha revelou que a maioria dos brasileiros de 16 a 26 anos diz que se mudaria para o Exterior se tivesse a chance. Mais precisamente 62%, ou 19 milhões de jovens (o equivalente a quase dois Rio Grande do Sul), sonha com a chance de estudar ou trabalhar fora do país em que nasceu – aquele mesmo que seus avós, delirantemente otimistas, acreditavam que seria "o país do futuro". A vontade de emigrar diminui conforme a idade aumenta, informa a pesquisa. O que sugere que a partir de certo momento o comodismo começa a falar mais alto do que a insatisfação ou a falta de perspectivas. Não chega a ser um consolo.
Se os emigrantes brasileiros, em geral, têm chance de planejar a viagem e procurar estabelecer contatos no país-destino antes de partir, quem foge da Venezuela para o norte do Brasil em busca de uma oportunidade ou arrisca a vida na fronteira do México com os Estados Unidos – a maioria fugindo da violência de países como Honduras, Guatemala e El Salvador – normalmente não tem tempo para nada, a não ser juntar as roupas e rezar para tudo dar certo no caminho. O mesmo vale para os emigrantes que se arriscam em botes, fugindo da África, na maior crise migratória e humanitária da Europa neste século.
Muitos desses emigrantes vivem a tragédia de abandonar o lugar onde nasceram para serem párias em países que não os querem, não os entendem e não sabem o que fazer com eles. Deixar a questão humana de fora desse debate, como se o problema dos refugiados fosse apenas econômico, se transformou no objetivo mais nítido de alguns países, acirrando a divisão do mundo entre um "nós" que recebe visitas incômodas e um "eles" de clandestinos indesejados.
Sempre me pergunto em que momento a vida se torna tão insuportável em um lugar a ponto de um bote à deriva no mar parecer a única opção viável para sobreviver e zelar pelo futuro dos filhos. O que distingue os que partem nessas condições dos que insistem em ficar, muitas vezes também arriscando a vida? Como em tantos momentos na vida de qualquer pessoa, é preciso colocar na balança o medo e a esperança para descobrir quem pesa mais.
Não temos guerras, nossa crise é grave, mas suportável, e a democracia ainda está em pé – ainda que dê sinais de fadiga dos materiais de vez em quando. Temos medo de sermos mortos na esquina por causa de um tênis ou de um celular ou de dependermos do Estado para qualquer coisa que seja, mas viver ou sair do Brasil ainda é uma questão de escolha. A escolha entre o medo e a esperança.